domingo, 25 de fevereiro de 2018

Livro: PEDRO II ATRAVÉS DA CARICATURA

Olá.
Hoje, nós vamos tratar sobre humor gráfico, e também de política. Mas não de política atual, da qual já é desnecessário falar: todo mundo já sabe como é. Vamos falar, isso sim, da política do passado. Da política do Segundo Reinado Brasileiro (1840 – 1889). Mas, com o presente, é possível estabelecer os devidos paralelos.
Hoje, eu vou tratar de uma das obras pioneiras no resgate do humor gráfico do Período Imperial Brasileiro. Já utilizei esta obra em pesquisas que fiz, mas agora eu consegui localizar um exemplar para falar para vocês.
Eis aqui PEDRO II ATRAVÉS DA CARICATURA, de Araken Távora.

BREVEMENTE APRESENTANDO...
PEDRO II ATRAVÉS DA CARICATURA foi publicado pela primeira vez em 1975, em edição conjunta entre as Edições Bloch e o Ministério da Educação e Cultura (MEC). E este trabalho de Araken Távora, de certo modo, se adiantou aos de outros pesquisadores, como Lilia Moritz Schwarcz, Álvarus e Ofeliano de Almeida, não apenas no sentido do resgate e do uso das caricaturas e das charges dos periódicos do Segundo Império como fonte de pesquisa histórica, como também no resgate do trabalho dos caricaturistas brasileiros pioneiros, sobretudo o já muito celebrado Ângelo Agostini. PEDRO II ATRAVÉS DA CARICATURA apareceu antes mesmo da instituição do dia 30 de janeiro como Dia do Quadrinho Nacional, em 1984 – que levou em consideração, como a maioria já sabe, o trabalho de Agostini.

SOBRE O AUTOR
Porém, em pesquisa prévia via internet, não consegui encontrar quase nada a respeito de Araken Távora. Sabe-se que o autor já faleceu em 1992, que foi jornalista, já trabalhou para periódicos como Manchete e Fatos & Fotos, que também teve atuação na TV como repórter da TV Educativa. Em 1983, criou, em parceria com a Prefeitura do Rio de Janeiro, o projeto Encontro Marcado, que visa aproximar estudantes de escritores e criadores brasileiros – o projeto, pelo que sei, ainda existe (www.encontromarcado.net/). Entre outros livros, Távora também escreveu: Encontro Marcado com Mário Quintana; O Dia em que Vargas Morreu; Pedro II e o Seu Mundo Através da Caricatura; Onde Está Guevara; Brasil, 1º de Abril. Fora isso, nada mais consegui encontrar a seu respeito. Um perfil a respeito do jornalista foi feito pelo também jornalista Aramis Millarch, em artigo publicado por ocasião da morte de Távora:
Araken, um homem que amava o mundo
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 06 de janeiro de 1992
Paraná, abril de 1971, Haroldo Leon Perez substitui Paulo Pimentel no Governo e inicia uma administração de ódio e perseguições. O ESTADO é o único jornal a enfrentar o udenista que se julga dono do mundo. Poucos jornalistas se acorajaram a assinar colunas críticas denunciando as irregularidades da nova administração - que poucos meses depois levaram o então presidente Médici a obrigar a sua "renúncia". Em Londrina, onde residia na época, Araken Távora assume o desafio. Não só na TV-Tibagi, de cujo departamento de notícias fazia parte, mas nas páginas de O ESTADO, assina por meses uma coluna corajosa, independente, levantando diariamente graves fatos que aconteciam naqueles tempos. Jornalismo é oposição, o resto são secos e molhados - já ensinava Millor Fernandes. Araken foi sempre um JORNALISTA com letra maiúscula. Curitiba, bar do Araucária Palace Hotel, inverno de 1983. Entre um drink e outro com seu amigo Fernando Sabino - que havia trazido à Curitiba para inaugurar o projeto Encontro Marcado, Araken conversa com o atencioso garçom Euclides, que o serve. Ele fala de seus projetos de trabalhar em hotéis internacionais e lamenta que não tenha condições de custear um curso de inglês. Araken pede o telefone, faz três chamadas e minutos depois diz: "Euclides, já conseguiu uma bolsa para você estudar inglês de graça. Mas aproveite bem!" Araken era assim! Para ele o mais poderoso dono do poder não o assustava mas tudo faria para auxiliar uma pessoa que dele se aproximasse. xxx Redação da revista "Panorama", Rua Saldanha Marinho, 9 de setembro de 1969. Araken chega do Rio de Janeiro, entusiasmado com o material que traz em sua maleta 007. Reúne-se com José Curi, Luís Carlos Zanoni, Carlos Alberto Maranhão e eu - na época editores da revista que o professor Adolpho Soethe havia fundado 19 anos antes - e propõe: - "Vamos fazer um número extra sobre o seqüestro do embaixador Charles Burke Elbrick. Estou com todo o material para montá-lo em menos de 24 horas". Entreolhamo-nos surpresos. Afinal, a censura estava braba, a situação tensa e até a pena de morte contra os seqüestradores havia sido aprovada pela junta militar. Fazer uma publicação sobre um assunto acontecido há apenas 7 dias e cuja cobertura autorizada havia sido mínima era um desafio para uma revista regional, enfrentando sérios problemas financeiros. Jornalisticamente, Zanoni, Maranhão e eu achamos a idéia importante, corajosa mas temerária. Curi, este grande editor que o Paraná teve, amigo de Araken há 20 anos, como sócio majoritário, deu o voto decisivo: - Vamos fazer e ver o que acontece! Dois dias depois, a edição extra de "Panorama" estava nas bancas. Foi um sucesso. Cinco anos antes, uma semana depois do golpe militar que depôs o governo João Goulart, Araken já tinha pronto os textos e reunido fotos para o primeiro livro-reportagem sobre aquele fato: "Brasil, 1º de abril" chegou às bancas e livrarias quando os militares caçavam milhares de adversários em todo o Brasil. Para Araken, jornalismo era o aqui e agora. Na boca-do-forno dos acontecimentos. xxx Porto Alegre, primavera de 1986. O projeto Encontro Marcado, patrocinado pela IBM, já está consolidado: inicialmente previsto para algumas universidades do Rio-São Paulo, a idéia de levar escritores famosos para palestras-debates com um público jovem, especialmente, havia dado certo. Em seu espírito prático, com a experiência de produtor de uma série premiada em 1980 com o Golfinho de Ouro (MIS/RJ) na TVE - "Os Mágicos", Araken realizava sobre cada escritor convidado um vídeo biográfico, que exibido antes da palestra, dava ao público informações básicas e opiniões objetivas da personalidade que falaria e dialogaria a seguir. Poupava tempo e preservava em imagens um pouco da vida e obra de escritores como Sabino, Lígia Fagundes Telles, Paulo Mendes Campos, Antônio Callado e mais 40 outras personalidades de nossa vida literária e jornalística que integraram o projeto. Faltava, no projeto, entretanto a presença do poeta maior Mário Quintana. Assim, Araken abriu uma exceção - considerando o estado de saúde do autor de "Esconderijo do Tempo" e o filmou no Hotel Majestic, sua residência oficial por mais de 20 anos. O material foi tão bom que resultou além do vídeo, num livro - distribuído nacionalmente. Assim, se o lírico poeta gaúcho não pode viajar Brasil afora dentro do projeto, ao menos sua voz, imagens e palavras escritas - numa das mais profundas entrevistas - chegaram a milhares de pessoas. Afinal Araken foi sempre um poeta. Enrustido e só mostrando seus versos calibrado por scotch e, principalmente, paixões. Curitiba, março de 1987, Araken, feliz pela escolha de um amigo de muitos anos, o advogado René Dotti, para a Secretaria da Cultura, o procura para, ao contrário de 90% dos que cercavam, lhe dizer: - "René, como posso ajudar a administração cultural do Paraná?" E Araken ajudou muito. Promoveu exposições junto ao Museu Nacional de Belas Artes - que assessorava na época, coordenou seminários, possibilitou uma integração da inteligentzia do eixo Rio de Janeiro - onde residia há mais de 15 anos - com o Paraná, sua terra natal, nascido que foi em Ribeirão Claro há 56 anos. Com um pagamento praticamente simbólico, muitas vezes tirando dinheiro do bolso para generosas esticadas etílico-gastronômicas, Araken nunca, em momento algum de sua vida, preocupou-se em termos pessoais. Para ele, fazer algo, ajudar fosse uma instituição, um artista ou um simples garçom, fazia parte da vida. xxx Lembranças como estas - e dezenas de outras aqui seriam relatadas se houvesse espaço - chegam neste momento em que, com uma semana de atraso, vem a notícia da morte anônima de Araken Távora, na piscina de um apart-hotel no bairro de Santa Tereza, no Rio de Janeiro, onde estava vivendo - em voluntária solidão, afastado de seus tantos e nobres projetos, da esposa Hermínia e dos amigos que soube fazer. Para que repetir obituários? Tarefa cada vez mais sofrida, quando tantos e bons deixam nosso mundo. A obrigatoriedade da alegria em festas programadas de (hipócrita) felicidade, visceralmente cortando os muitos puros, os muitos bons, os que tem alma de pássaro e poeta, atingiu Araken - cuja morte, apesar de toda uma vida dedicada ao jornalismo e as atividades culturais, não teve, até agora, o registro merecido. Entre 31 de dezembro e o início de 1º de janeiro, Araken morreu no Rio de Janeiro. Sozinho, em uma noite em que oficialmente todos tinham obrigação de comemorar. Comemorar o quê? Anjo da morte, que desce em dezembro, levando pessoas tão queridas como do também jornalista (e médico) Percyval Charqueti (25/12/85), o último modinheiro Paulo Tapajós (29/12/90) e o médico Felix do Rego Almeida (29/12/91) levou também Araken Távora. Um homem que amava as pessoas - e especialmente as mulheres, ele que sempre, na melhor forma de Vinícius, sempre assumiu suas paixões (inclusive a grande Maysa, uma de suas aventuras mais bonitas) - deixa menor o nosso mundo - não custa repetir! Sua obra - vídeos, filmes (inclusive uma série sobre artistas plásticos), milhares de reportagens, livros - espalhada e merecidamente reconhecida atestam um homem que viveu intensamente - para o próximo, para a vontade de dizer e fazer aquilo em que acreditava. LEGENDA FOTO - Araken Távora, antes de tudo um grande jornalista e animador cultural.

Quem tiver mais informações que possam enriquecer o que foi exposto acima (desculpe se estou infringindo direitos autorais, Sr. Millarch), deixe nos comentários. Pô, nem um verbete na Wikipedia o rapaz mereceu?!

A IMPRENSA SATÍRICA DO SÉCULO XIX
De todo modo, PEDRO II ATRAVÉS DA CARICATURA é tido como um importante trabalho pioneiro no resgate da história do humor gráfico brasileiro, que aqui é cultivado desde 1837, ano em que é atribuída a aparição da primeira charge brasileira – a grande maioria dos especialistas aceita que o humor gráfico brasileiro teve como embrião a publicação, em uma folha separada do restante do jornal, da charge intitulada A Campainha e o Cujo, na edição de 14 de dezembro de 1837 do Jornal do Comércio do Rio de Janeiro, e cuja autoria é atribuída a Manuel de Araújo Porto Alegre. Há quem defenda que o humor gráfico brasileiro apareceu bem antes, em 1831 – na edição de 16 de maio do jornal partidário O Carcundão, de Recife, Pernambuco, onde foram publicadas duas ilustrações alegóricas. Mas isso é outra história...
É notório o fato de que o humor gráfico, a arte sequencial que daria origem às modernas Histórias em Quadrinhos, e outras manifestações de denúncia social através da arte pictórica... bem, a caricatura, e seus princípios que valem até hoje, apareceram no século XVIII, começando na Europa, mais ou menos a partir da Revolução Francesa (década de 1880), e tendo seu período de auge na década de 1820, quando apareceram as primeiras revistas satíricas que ressaltavam ilustrações – a pioneira teria sido a La Caricature, de 1830. Considera-se que o primeiro grande mestre da caricatura para imprensa de massas foi Honoré Daumier, que chegou a ter problemas com a lei da época por causa de seus desenhos. Pouco depois, ela aporta no Brasil, tendo por modelo a produção francesa. Pesquisas posteriores já podem ter alterado esses dados, mas depois verificamos melhor...
No século XIX, o Brasil contava com uma boa imprensa. Apareciam aqui diversas empresas tipográficas (ainda no tempo em que as letrinhas das placas de impressão eram colocadas uma por uma nos moldes) e, por consequência, diversos periódicos – jornais, revistas, alguns livros. Boa parte da imprensa do século XIX tinha caráter partidário – os diversos grupos políticos, legais ou ilegais, se utilizavam da imprensa periódica, regular ou irregular (alguns jornais não conseguiam sair com a frequência necessária, eram “de-vez-em-quandários”), para propagar as suas ideias entre as pessoas que sabiam ler naquela época (lembrando: correspondente a 1% da população da época). E boa parte dos periódicos, até certo momento, era composto apenas por textos. Conforme o século XIX transcorria – e D. Pedro II ascendia ao poder, enquanto o Brasil evoluía social e economicamente – a imprensa brasileira se desenvolveu, e possibilitou a impressão de ilustrações, inicialmente em folha separada do restante do jornal, depois integrado ao texto. E quem se aproveitou melhor desse desenvolvimento foram os caricaturistas.
Seguindo o princípio básico da caricatura – a deformação da figura do retratado, o fazer vir a tona a verdadeira personalidade e intenções do retratado, e sempre ridicularizando suas ações – os caricaturistas ofereceram, na sua visão de quem enxerga a política pelo ótica dos desfavorecidos, o melhor retrato da política e da sociedade de seu tempo. Se vocês pensam que a política dos dias de hoje anda muito caótica, então deem uma lida em PEDRO II ATRAVÉS DA CARICATURA, que oferece uma série de exemplos notáveis de que a política do Império Brasileiro não era muito diferente, com discussões acaloradas sobre legislações, trocas de ministros, etc.
Bem. No século XIX, o Brasil contou com uma série de publicações que ressaltavam ilustrações a traço, acompanhando as notícias em tom satírico – boa parte da produção de humor se concentrou no Rio de Janeiro, então capital. A primeira foi a Lanterna Mágica, de 1844, de vida efêmera (parou de circular no ano seguinte). Depois, apareceu a Marmota na Corte, de 1849, que, em 1852, passa a se chamar Marmota Fluminense. A maioria das revistas que aparece tem vida efêmera, poucas passando de um ano de publicação; a primeira a conseguir grande longevidade foi a Semana lustrada, do alemão Henrique Fleuiss, surgida em 1860, e que foi publicada até 1876. Algumas publicações tiveram vida efêmera porque acabaram sendo absorvidas por outras publicações maiores: a Bazar Volante, fundada pelo francês Joseph Mill em 1863, se transforma, em 1867, em O Arlequim; em 1868, O Arlequim vira Vida Fluminense, e esta, em 1876, se transforma em O Fígaro, que, por sua vez, é continuada em A Lanterna, de 1878. O Mosquito (1869), fundado por Cândido Aragonês de Faria, mais tarde absorve os periódicos O Lobishomem (1871, de Antônio Augusto do Vale), Comédia Social (1870, de Pedro Américo e Aurélio de Figueiredo) e O Mephistópheles (1874, que também havia sido fundado por Cândido Faria); e o Mosquito, por sua vez, é absorvido pela Revista Illustrada de Ângelo Agostini, em 1877. Só para citar alguns casos.
A maioria dos caricaturistas que se consagraram no Brasil nasceram em outros países, e adotaram o Brasil como lar. Henrique Fleuiss, como já dito, é alemão (na Semana Ilustrada, ele criou um dos primeiros personagens fixos das charges e narrativas sequenciais, o Dr. Semana); Rafael Bordalo Pinheiro é português – e, aliás, também foi responsável pela primeira narrativa sequencial publicada em Portugal, Apontamentos de Rafael Bordallo Pinheiro Sobre a Picareca Viagem do Imperador de Rasilb pela Europa, de 1872; Ângelo Agostini e Luigi Borgomainerio são italianos. Brasileiros, mesmo, entre os caricaturistas mais referenciados do século XIX, dá para citar Aluísio de Azevedo (antes de se tornar consagrado escritor) e Cândido Aragonês de Faria. E, em várias oportunidades, estes homens foram colegas numa mesma publicação. Agostini e Borgomainerio, por exemplo, já trabalharam juntos no então Vida Fluminense; Agostini, Faria e Azevedo também seriam colegas em O Mosquito.
É claro que, dentre todos os caricaturistas do século XIX, o mais ativo foi Ângelo Agostini. O italiano chegou ao Brasil em 1859, e, em 1864, ele começou a colaborar com periódicos de São Paulo, dentre eles o Diabo Coxo e O Cabrião (onde lança, em 1867, a pioneira narrativa sequencial brasileira As Cobranças). Em 1871, Agostini se muda para o Rio de Janeiro, onde começa a colaborar para o Vida Fluminense (onde lança a primeira aventura seriada brasileira, As Aventuras de Nhô Quim, em 30 de janeiro de 1869). Em 1876, Agostini começa a editar a Revista Illustrada, talvez a mais influente e popular publicação de humor do período imperial – chegou a ter 4000 assinaturas, um recorde para a época, em seu auge! A Revista Illustrada dura cerca de duas décadas, adentrando o período republicano estabelecido em 1889, inicialmente semanal, depois quinzenal, e, por fim, mensal. Agostini dirige a Revista Illustrada até 1888, quando retorna à Itália, e em 1895 retorna ao Brasil, onde funda o jornal Don Quixote, que dirige até 1903 – depois disso, Agostini passa a trabalhar como empregado em outras publicações, como O Malho e O Tico-Tico. Na Revista Illustrada, Agostini não apenas faz história com suas charges onde faz defesa apaixonada da abolição dos escravos e da República, como também lança sua segunda aventura seriada, As Aventuras de Zé Caipora, em 1883, que começa como uma comédia de costumes, para depois se desdobrar em uma pioneira narrativa de aventuras. Zé Caipora teve 23 capítulos publicados na Revista Illustrada, sendo continuado mais tarde nos periódicos Don Quixote, a partir de 1901, e O Malho, a partir de 1902.
Desse modo, Agostini é tido como o pioneiro das Histórias em Quadrinhos brasileiras. Não por acaso, o dia 30 de janeiro foi instituído como o Dia dos Quadrinhos Brasileiros, em 1984.
Voltando aos caricaturistas em geral. As caricaturas daquela época seguiam um estilo mais acadêmico, em comparação ao estilo de hoje, de traços mais simplificados. A deformação das figuras pelos caricaturistas do Império concentrava-se nas proporções corporais – os retratados tinham geralmente a cabeça aumentada e os corpos desproporcionais, sem mexer muito nos traços dos rostos. Mas, atendendo à regra das representações alegóricas, os retratados – principalmente o Imperador Pedro II – podem ser retratados em situações atípicas para gente de sua posição, transmutados em animais, marionetes, objetos do dia-a-dia, como artistas de circo, poetas... Tudo em tom satírico e irônico, aludindo à pauta da ocasião. Os textos, por sua vez, constituíam-se em legendas ao pé dos desenhos, muitas vezes escritas à mão, só alguns colocavam as legendas em tipografia. Só na virada do século XIX para o XX que se começariam a utilizar os balões de fala, a partir do modelo desenvolvido pelos desenhistas dos Estados Unidos, mas os caricaturistas brasileiros demoram um pouco para aderir à técnica – para se ter uma ideia, as HQ apresentadas no pioneiro gibi O Tico-Tico, fundado em 1905, ainda usavam legendas ao pé dos desenhos, só bem mais tarde usando balões de fala. Existem, sim, alguns exemplos esparsos de caricaturistas dessa época que se arriscaram em usar balões de fala e até onomatopeias, mas a adesão geral ao modelo hoje conhecido ainda demoraria um pouco.
A técnica utilizada na impressão das ilustrações costumava ser a litografia, uma técnica de gravura que se baseava em desenhar diretamente a lápis em pedra, e depois tratar a pedra com produtos químicos para deixar a figura marcada em relevo antes de receber a tinta. A técnica dava ao desenho impresso um belo efeito de desenho a lápis, ressaltando sombras e texturas, e dando um belo efeito tridimensional. Tempos depois, foi introduzida a caricatura a traço, menos acadêmica e tridimensional, que mais tarde seria preferencial adentrando o século XX.
Mas um fator mais importante que os outros, com relação à caricatura brasileira, foi sua liberdade de circulação. Especialistas afirmam que a segunda metade do século XIX, durante o governo de Pedro II, até a proclamação da República, foi o período em que houve mais liberdade de imprensa no Brasil independente. De modo algum Pedro II e seus partidários inibiam a produção de caricaturas, inclusive as que satirizavam sua figura. Pelo contrário, ele até se divertia em se ver retratado de formas tão atípicas, como, por exemplo, transmutado em galinha ou vestido de menina. E as caricaturas, inclusive, contribuíam para aumentar sua popularidade junto ao povo – com o Imperador, os caricaturistas não pegavam tão pesado assim, se compararmos ao tratamento hoje dispensado pelos caricaturistas ao atual presidente Michel Temer. Quem não sabia ler, mas tinha acesso às caricaturas, compreendia a situação através dos desenhos. Se censura houve no período imperial, não era de parte do Governo Central. As coisas ficam diferentes com a República Brasileira, onde ficam mais frequentes os casos de censura à imprensa, vindas do Governo Federal.

O LIVRO
PEDRO II ATRAVÉS DA CARICATURA é dividido em dez capítulos temáticos, com as devidas reproduções das caricaturas – foram 167 ilustrações reproduzidas, entre as capas dos periódicos e ilustrações internas. O campeão de reproduções, em todo o livro, não podia ser outro senão o Sr. Ângelo Agostini, com 154 ilustrações extraídas da Revista Illustrada. Ao longo do livro, dá para encontrar trabalhos de Pereira Netto, Bordallo Pinheiro, Cândido Faria, J.Mill e Roth. Há três ilustrações de caricaturistas brasileiros que foram publicadas em revistas estrangeiras – uma da Argentina, uma da Espanha e uma de Portugal. Algumas das caricaturas reproduzidas formam sequências – pequenas HQ, em suma. Mas todas ressaltando a verve crítica dos caricaturistas do século XIX.
O primeiro capítulo é uma introdução, contando as origens da caricatura estrangeira e brasileira no século XIX, até a época de Pedro II.
O segundo capítulo já trata do próprio Pedro II, como era retratado tanto seu físico quanto seu caráter. O Imperador, que chegou ao trono brasileiro aos 15 anos de idade, na maturidade era uma figura bem fácil de caricaturar: com a conhecida barba branca, magro, com pernas finas. Frequentemente, ele era retratado em seus trajes reais. Os caricaturistas também chamavam muito a atenção ao hábito de o Imperador ser constantemente surpreendido cochilando durante eventos oficiais, sua dedicação aos estudos de ciências e seu hábito de visitar instituições de ensino. Para tais hábitos, Pedro II tinha suas respostas.
No terceiro capítulo, a visão dos caricaturistas para como Pedro II lidava com os dois maiores partidos de sua época, o Liberal e o Conservador. Como chefe do Poder Moderador, que lhe dava, em tese, o direito à última palavra em questões como a formação dos gabinetes, Pedro II tentava conciliar os conflitos entre ambos os grupos políticos que, segundo sabemos, não diferiam muito em interesses políticos.
No quarto capítulo, um dos temas favoritos dos caricaturistas: as Falas do Trono, ou os discursos que Pedro II tinha de obrigatoriamente fazer na abertura e no encerramento das sessões parlamentares. Para os humoristas, uma boa oportunidade de chamar a atenção à desordem no Governo, e criticar os representantes, às vezes comprovadamente meros beneficiários do Tesouro Nacional.
Quinto capítulo: como os caricaturistas viam a atuação dos principais ministros de D. Pedro II, notoriamente os chefes do Executivo – cargo conhecido como Conselho de Ministros. As principais vítimas da turma de Agostini foram o Duque de Caxias (Luís Alves de Lima e Silva, o famoso patrono do Exército), do partido Liberal; o Barão de Cotegipe (João Maurício Wanderley), do partido Conservador; João Luiz Vieira Cansação de Sinimbu, também dos Liberais; o Marquês de Herval, General Manoel Luiz Osório (visto com mais simpatia pelos caricaturistas); e Lafayette Rodrigues Pereira (prato cheio para os caricaturistas por causa de seu olho torto). Uma dança das cadeiras que demonstra como a política imperial era caótica – não é de hoje, meus jovens.
Sexto capítulo: a verdadeira gangorra nos gabinetes do Império. Exonerações de ministros e trocas de ministérios eram constantes. Outro capítulo que “ressalta” a atuação de Lafayette Pereira. E o Brasil costumava ser retratado, por muitos caricaturistas, como uma carruagem, com o Imperador e um índio dentro, conduzida pelo Chefe do Executivo da ocasião. Não raro, enfrentando caminhos tortuosos, e tendo seus cavalos trocados por burricos, tartarugas, lagostas...
O sétimo capítulo é dedicado à controversa figura de João Maurício Wanderley, o Barão de Cotegipe, uma espécie de Severino Cavalcanti (lembram dele?) ou Eduardo Cunha do século XIX. Chefe do Conselho de Ministros de 1885 a 1888, do Partido Conservador, camaleão político (mudando de posição conforme as conveniências), um dos maiores opositores da abolição total da escravatura. Retratado pelos caricaturistas em trajes da realeza, coroa e manto, o Barão de Cotegipe assumira a chefia do governo em um momento delicado – D. Pedro estava na Europa, tratando da saúde, e a chefia do Poder Moderador coube à Princesa Isabel. O afastamento de D. Pedro acabaria por fortalecer o Barão de Cotegipe. No entanto, uma indisposição entre Cotegipe e o marido da Princesa Isabel, o Conde D’Eu – ambos em posições opostas quanto à questão abolicionista – acabaria levando a queda daquele.
Oitavo capítulo: a complicada questão da abolição da escravatura na visão dos caricaturistas, desde a promulgação da Lei do Ventre Livre, em 1871, até a Lei Áurea, de 1888 – que foi muito comemorada pelos caricaturistas. Até lá, essa questão enfrentou uma série de entraves, como, por exemplo, a questão da indenização aos antigos donos de escravos.
Nono capítulo: como os caricaturistas enxergaram os eventos que conduziram ao fim da Monarquia e à Proclamação da República. Passando pela Questão Religiosa e a Questão Militar, pelas quais a Igreja e as Forças Armadas acabariam retirando seu apoio ao Império e apoiando a causa republicana. Esta causa era simpática aos caricaturistas, já prevendo que o Império não tinha como se manter por mais tempo – mas soubessem eles o que viria a seguir...
E, por fim, no último capítulo, uma cronologia da caricatura no Brasil e os eventos históricos paralelos, entre 1837 e 1889.
PEDRO II ATRAVÉS DA CARICATURA foi uma das minhas primeiras fontes de pesquisa sobre a História das HQ ainda nos tempos da faculdade – e as informações aqui contidas ainda são valiosas, principalmente para quem procura por trabalhos de Ângelo Agostini. Vale a pena procurar em sebos e em bibliotecas, onde as chances de encontrar um exemplar são maiores. Por que nenhuma editora se dispôs a reeditar este trabalho? Por que ninguém mais se dispõe a recuperar o trabalho de Araken Távora?

PARA ENCERRAR...
...já que falamos de século XIX, claro que esta postagem só poderia ser acompanhada de mais um trecho de minha HQ folhetinesca, O Açougueiro. Já devo ter falado em algum momento que, nesta HQ, sigo um modelo similar às das narrativas sequenciais de Ângelo Agostini – ele não usava quadros para separar os painéis.
Aguardem novidades.

Até mais!

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