domingo, 2 de julho de 2017

MACÁRIO - Capítulo 12: "Happy Hour" com os "monstros"

Olá.
Hoje, domingo, cumpriu 15 dias desde o último capítulo publicado; portanto, hoje tem episódio inédito de nosso folhetim ilustrado, MACÁRIO. Talvez os leitores estejam se decepcionando pela falta de um clímax, mas estaremos resolvendo isso em breve... Por hora, vamos com o capítulo de hoje.
ATENÇÃO: leitura não recomendada para menores de 18 anos. Contém cenas de consumo de bebidas alcoólicas, de maus modos em lugares públicos e insinuações de linguajar chulo.



Bem, foi um sucesso. Minha experiência como chopeiro foi um sucesso.
Mas como foi, em detalhes, vou contando aos poucos.
Não precisei mais que uma hora para aprender a lidar com aquela máquina. Aliás, não há muito segredo, é só puxar as alavancas para baixo, do jeito certo, controlando o fluxo de líquido que sai da torneira, e deixar a cerveja cair no caneco, levantar espuma. Mas é preciso aprender a contrabalançar as quantidades adequadas de cerveja e de espuma, dando uma boa aparência ao caneco cheio, de acordo com o gosto do freguês – por isso é preciso controle no uso da torneira. Mas isso também é fácil de aprender.
Além da máquina, e do préstimo em instalá-la no balcão, eles mesmos, os “monstros”, ou melhor, a gangue de excêntricos que passou a frequentar o bar, nos presenteou com três dúzias de canecos de chope, em vidro. Canecos grandes como a sede deles por cerveja. Em dois tamanhos, grandes, quase do tamanho de uma leiteira, e médios, ligeiramente menores. Ainda assim, feitos para saciar qualquer sede com uma única dose.
Os próprios “monstros” me orientaram, sob o olhar do meu patrão, que pouco fez para interferir. Depois de um tempo, o patrão foi cuidar de outros afazeres e me deixou ali, no balcão. Os oito “monstros” ali presentes continuaram em seus papeis de “professores”, e ficaram me olhando atentamente. Quase todos, na verdade.
Sentia a pressão, mas também uma segurança, uma crescente autoconfiança – eles tinham plena confiança em mim, e me incentivavam. Não podia decepcioná-los: a máquina de chope foi uma prova de estima deles para com minha atividade – e talvez para com a dos outros dois garçons, que ainda não haviam chegado ao serviço. A máquina de chope não deve ter saído barata, evidentemente.
De alguma forma, eu sabia que o líder deles era o tal Luce, o cara com cabelos vermelhos. Apesar de aparentar ser o mais baixo, em altura, dos homens do grupo, sabia, de alguma forma, que ele tinha a liderança.
Era ele, evidentemente, que me chamava mais atenção. Não pelo fato de, a cada noite, ele comparecer ao bar com o cabelo pintado de uma cor diferente, ou pela gola alta do casaco, que quase cobria a sua cabeça, contrastando com o estilo dos outros membros, que usavam casacos mais “convencionais”, em couro, alguns com golas felpudas.
Era pelo fato de ele estar estabelecendo uma ligação mental comigo. Devia ser isso: uma ligação mental. Que outra explicação para o fato de ele olhar para mim toda vez que eu cruzava meu olhar com ele, estivesse onde estivesse?
Hoje, ele ficou andando pelo bar, enquanto eu estava no treinamento, meio absorto em encher canecos de chope. Os outros “monstros” me olhavam com atenção, mas Luce se afastou e foi dar uma olhada nos arredores, como se não fizesse parte da “banca de juízes”, estivesse certo de que eu me sairia perfeitamente bem – afinal, por impressão minha, foi ele quem me recomendou aos ourtros. E, toda vez que eu erguia o olhar e olhava para onde Luce estava, ele instantaneamente olhava para mim.
Podia estar olhando, distraído, para os cartazes nas paredes, para o jukebox, para a porta. Alisando a cobertura aveludada das mesas de sinuca, brincando com a bola branca, depois voltando a circular pelas mesas. Até mesmo se dava ao trabalho de alinhar, o mais perfeitamente possível, os guardanapos de papel repousados nos porta-guardanapos das mesas. Ele podia estar de costas quando meu olhar o encontrava, mas, no mesmo instante, ele olhava para mim, olho a olho.
Só umas duas ou três vezes ele voltou ao balcão, para pegar seu caneco, que ele avaliava com cuidado. Depois, se afastava de novo. Em uma das “voltas”, ele me questionou:
- Puxa, Macário, por que fica me vigiando desse jeito?
- Eu não estou vigiando. É você que fica se afastando do restante do pessoal... Eu só levanto o olho de vez em quando e...
- Ué, não posso conhecer melhor o bar enquanto ele não enche de gente? Gosto de me familiarizar com os locais que frequento.
E se afastou. Aí, ouvi uns comentários:
- Esse Luce, francamente.
- Sempre com a cabeça fora de lugar.
- Sempre fora de sintonia.
- Em vez de ficar mais junto com a gente...
Ele aparentemente não ligou para os comentários. Nem eu: a distração constante do Luce não me dizia respeito. Do mesmo modo, eles todos não deveriam ser tolerantes com a minha distração constante.
Quem mais me orientou no treinamento como chopeiro foi o grandalhão Flávio Urso. Com aquele jeitão de homem da montanha, barbudo, cabelos mal penteados e o casacão surrado, ele devia ser mesmo um bom bebedor de cerveja, sabia bastante a respeito de cerveja, devia ter conhecido vários chopeiros, selecionado os seus favoritos, e queria que eu seguisse os passos deles.
Mas, das vezes que o servi, nas duas noites anteriores, ele preferia uísque com gelo. E engolia as pedras de gelo junto com o uísque! Não estava enganado, eu vi, da última vez, quando eu servi-lhes o uísque ontem, as pedras de gelo do uísque caindo em sua boca e desaparecendo em sua garganta! Talvez ele preferisse o uísque por falta de chope; eu nunca o vi bebendo das cervejas que comumente tínhamos em estoque (diferente de Beto Marley, o sujeito dos dreadlocks, que pedia da nossa cerveja mais cara e a consumia no gargalo da garrafa). Decerto eram muito ralas para ele; talvez gostasse de cerveja de espuma mais cremosa. O uísque era “só para variar”, certamente.
Flávio Urso fazia questão de provar cada caneco que eu enchia. Ele sempre pegava dos canecos maiores. Seguido, é claro, pelos outros do grupo. Flávio Dragão (e seu “smile” esculpido no cabelo da nuca), Beto Marley e o gorducho do hip-hop, MC Claus, também eram bons bebedores, mas Flávio Urso era o que mais bebia, aquele viking. Flávio Dragão era o que mais fazia questão em ostentar um “bigode” de espuma de cerveja, enquanto o Urso limpava a barba com a manga do casaco. Não era de deixar a barba suja. Cerca de meia hora mais tarde sua manga estava muito úmida, havia até mudado de cor, de tanto limpar a cerveja que escorria.
O mais estranho: conforme ia bebendo, seu sotaque ia mudando. Quando começamos, ele falava com um sotaque normal, como o dos outros; mas, a cada caneca que ele mandava para dentro, seu linguajar se alterava, e ele passou a falar com um sotaque que não sabia dizer se era francês ou alemão, dado que ele passou a carregar nos “RR” e a pronunciar “não” como se fosse “non” e assemelhados.
- Não se preocupe, ele é assim mesmo – me esclarece Morgiana a moça dos cabelos negros e incrivelmente brilhantes, ao lado dele. – Não estranhe. Quando ele bebe, ele meio que esquece o que aprendeu do nosso idioma e começa a regredir ao linguajar do país dele.
- Que estranho... Digo, é difícil não estranhar... De onde ele vem?
- Da Europa... Digo... oh, Flávio, de que parte da Europa você vem?
- Eurrrôpa?! Eu... eu non lembrrarr. Faz tanto tempo que sairrr do Eurrrôpa...
Dessa eu tive de rir, junto com Morgiana. Melhor não estender a conversa, porque Flávio Urso, me olhando feio, exigiu:
- Mais uma, rrrapazz. Continuarrr a encherrr canecas até eu dizerrr que estarrr bom!
Não era de bom alvitre contrariar um tipo como ele...
Embora absorto com o treinamento, que, como disse, dominei em uma hora, tanto o modo de encher corretamente os canecos quanto a velocidade necessária para encher uma maior quantidade de canecos, sob pressão, e só erguendo os olhos de vez em quando para encontrar os de Luce, me vi envolvido em conversas: os “monstros” não paravam de puxar assunto. Se não uns com os outros, falando bobagem, se xingando, se desculpando, se ironizando, mantendo um papo “hipster”, eles puxavam assunto comigo. Luce participava pouco do papo; dirigiam-lhe a palavra mais quando ele voltava ao balcão, mas ele sempre respondia usando frases curtas e secas.
As que mais puxavam assunto comigo eram as mulheres, Âmbar, Andrômeda e Morgiana. Quando a conversa resvalava para algum assunto polêmico, elas pediam minha opinião, tipo: “o que você acha, Macário?”, “Isso não pode estar certo, não é, Macário? O que nos diz?”, “Creio que o Macário deve concordar com isso, não é?”, etc. Não posso recordar agora quais eram os assuntos, mas eu dizia “Ah, claro”, “Sim, sim”, “Ah, não, aí não, isso não está certo”, “É, acho que você tem razão”. Eram mais atualidades, mas isso não interessava muito. O que me interessava era dominar logo aquela “arte” de encher canecos de cerveja. E que a noite passasse logo: eu tinha de ir para casa, tinha louça na pia me esperando. Na noite passada eu fui para o apartamento de uma garota; e estava pensando se ia cumprir minha promessa de voltar lá...
Passada essa hora, creio que fui aprovado. Claro que fui. Os próprios “monstros” deram o aval, até o Luce, que havia parado um instante de “borboletear”. Ao todo, foram cinco rodadas de cerveja para cada consumidor – em média. Tenho certeza que para Flávio Urso foram sete ou oito rodadas dos canecos grandes – e seu sotaque estrangeiro estava a ponto de se tornar língua enrolada. Não, espere: foram os homens que tomaram cinco rodadas, uns com os canecos grandes, uns com os médios; as mulheres foram mais comedidas, cada uma só consumiu três canecas médias, e devagar, para não borrar a maquiagem com cerveja. E, se não me engano, o Luce também só tomou três canecas, das médias. Ainda assim, foi o suficiente para eu ter sido considerado aprovado.
- Parabéns, Macário. Você aprende rápido. – disse Luce, depois de sorver o último caneco que enchi.
- Obrigado. – respondo, encabulado.
- Está vendo só, Flávio? Fizemos uma boa escolha! O Macário tem nossa plena confiança! E você duvidava, hein? Hein? – disse, dirigindo-se a Flávio Urso.
- É, non poderrrmos negarrr. – respondeu o grandalhão. – Macárrrio serrr dedicado, prrrestativo. Terrr meine rrrespeite (sic).
- É um garçom de sonhos! – exclamou Andrômeda.
- Dificilmente se encontra gente assim, com tanta energia, disposição, vontade de agradar ao freguês! – elogiou Jorge Miguel, o homem da barbicha, e tive certeza de que seus olhos ficaram vermelhos.
- Esse sabe o que a gente quer! – emendou Morgiana, evidenciando os dentes afiados em seu sorriso.
Podia sentir minha cabeça inchando, mas precisava manter a atitude modesta.
- Acho que já podemos chamar o resto do pessoal. – disse Breevort, o cara da tatuagem no rosto, tão simpático apesar do jeito agressivo.
- Acho que já podemos começar nossa festa! – exclamou o gorducho MC Claus. – Agora que vem o teste pra valer!
- Como você está, Macário? Preparado? – pergunta Flávio Dragão.
- Hã... um pouco tenso, mas acho que sim. – Em realidade, eu estava muito tenso. Devia ser visível o suor na minha testa. Não é possível que já tenha de emendar o treinamento ao trabalho, sem poder dar uma descansada!
- Ah, pessoal, esperem – interferiu Âmbar. – Deixem o Macário descansar, viram como ele se dedicou nessa máquina. Não chamem o pessoal ainda. Esperem uma horinha antes. Ainda é cedo para o bar abrir de fato... Olha, são sete horas, a recém... Tudo bem que hoje é sábado, mas...
Alguém foi compreensiva comigo.
- Hã... acho que você tem razão. – falou MC Claus. – Então tá. Vamos deixar o Macário aliviar a cabeça um pouco.
Decerto, Âmbar tinha alguma influência sobre o exaltado MC Claus. Não é à toa que os dois formavam um casal. Seriam casados? Noivos? Namorados? Irmãos? Parentes? Algo me diz que não posso perguntar sobre isso agora. O importante era que, no que Âmbar se manifestou, os outros já sossegaram seus fachos. E não devia ser difícil para ela conseguir poder sobre os homens, afinal ela usava aquele artifício natural de toda mulher, a beleza. Como deixar de reparar que ela usava roupas que chamavam bastante a atenção, um decotão pronunciado na blusa curta, o umbigo de fora, a saia curta de couro com meia arrastão e sapatos de cano baixo? Bem, Andrômeda e Morgiana também tinham seus atributos, seus decotes, mas usavam mais tecido que Âmbar – e, evidentemente, esta era a que mais chamava a atenção. Andrômeda, em seu vestido decotado e esvoaçante, mas longo até os tornozelos, e Morgiana, com uma camiseta de mangas largas e a calça jeans colada, não chamavam mais atenção, à primeira vista, que Âmbar, vestida para provocar. Como o MC Claus não se importava com isso?!
- Nhah. Estraga-prazeres. – disse Flávio Dragão, fingindo estar indignado.
- A gostosa fica aí sempre cortando nosso barato. – disse Beto Marley.
- Essa aí gosta de mandar, e o Claus aí só beijando seu sapato. – emendou Breevort.
- Que é que tem se gosto que a gata aqui me diga o que fazer? – defende MC Claus. – Qualquer uma consegue o que quer se caprichar no decote...
- Que é isso, Clauzinho... – responde Âmbar, avermelhando.
Dava para notar que Andrômeda e Morgiana não estavam muito contentes com a “rival”. Flávio Dragão implicou mais um pouco:
- E você ainda permite que a mina aí se vista feito uma p...
- Ei, mais respeito! Quem escolhe as roupas é ele aqui! – defendeu-se Âmbar.
- Pra quê, eu pergunto? – censura Morgiana.
- Não, mas, voltando àquele assunto, a Âmbar tem razão. – disse Luce. – Temos de dar um tempo, nós já bebemos chope demais, pegamos pesado na “entradeira”. Vamos dar um tempo, não vamos ficar bêbados antes da hora, ou o nosso Macário aqui vai pensar que estamos nos aproveitando da nossa benevolência, dos nossos préstimos, para ficar bebendo de graça.
- E não é o que merecemos, depois de termos dado a máquina para o bar? – disse MC Claus.
- Não, só estou dizendo que não devíamos abusar da cerveja antes de começar a festa, tampouco da boa vontade e da disposição do nosso Macário, que precisa aliviar-se da tensão. – continuou Luce. – Olha para o Flávio Urso, o nosso caro “avaliador”, por exemplo... chega a estar até vermelho.
De fato, estava. E, inesperadamente, o grandalhão soltou um arroto monstro, que balançou levemente o bar.
- Pardon... – desculpou-se Flávio Urso.
Os rapazes deram grandes risadas (até eu acabei rindo, apesar da surpresa), as garotas não.
- Flávio! – exclama Andrômeda. – É sempre assim!
- Que nojo! Por isso ele não pode beber cerveja com frequência! – exclamou Morgiana.
- O que o Macário vai pensar, que somos ogros, em ficar nos comportando assim?! – repreendeu Âmbar.
- Ei, “for” só um arroto. – disse Flávio Urso, sem jeito. – Não “for” uma peido.
- Ainda bem né?! Se fosse peido, estragaria nossa festa, o bar teria de ser evacuado... – continuou Andrômeda.
- Se você arrotar desse jeito durante a festa, você vai ser esfolado vivo, estou avisando! – ameaçou Morgiana. – Vou usar essa sua barba pra forrar a gola do casaco que vou fazer com sua pele!!!
- Ah, garotas, mas que drama, só por causa de um arrotinho, que vocês também podem soltar de vez em quando... – Jorge Miguel tentou conciliar.
- Arrotinho?! Arrotinho?! Desde quando ISSO é arrotinho?! – interveio Âmbar.
- Vindo dele, é como uma carga de dinamite! – disse Andrômeda.
- E vocês ainda defendem esse... porco! – exclamou Morgiana. – Vocês já nos viram arrotar desse jeito, em público? Já?
- Eu já. A Âmbar aqui, quando resolve tomar um copinho a mais de Coca Cola... – disse MC Claus. – Por pouco eu não perdia o contrato com...
- Claus! Aqui não!! – interrompeu Âmbar. – Não conte aqui!
- Vamos, fala pro Macário aqui que...
- Não, não fale!
E começou um bate-boca. Disso eu tive de rir. Só o Luce não se envolveu na discussão, uns defendendo o Flávio Urso, outros censurando-o, e a questão sobre arrotos femininos aflorando...
- Francamente... – comentou Luce comigo. – Mulheres, fazendo alarde por qualquer coisinha.
- Eles são sempre assim? – perguntei.
- Eles, ou elas?
- Todos vocês, eles e elas. Vocês sempre discutem assim?
- Ah... Nem sempre. Só quando o Flávio Urso não consegue controlar os seus... gases.
Não consigo deixar de pensar que eles todos já estavam bêbados, embora não aparentassem.
- Turma! Turma! – interveio Luce no meio da discussão. – Chega, por favor, estamos todos fazendo um espetáculo patético na frente do nosso garçom. A Âmbar está certa, querem que ele pense que somos... monstros?
Claro que eu pensava, mas tentei bloquear minha mente – vai que ele posso mesmo lê-la do mesmo modo como envia pedidos de bebida por telepatia.
- Aham. Vai, defende, cara, defende a mandona aqui, já que você anda a fim dela... – ameaçou Beto Marley.
- Que é isso, cara! Não é verdade! Eu, a fim da moça do Claus aí?!
- Qualquer um estaria, com a mina vestida assim... – interferiu Flávio Dragão.
- É, pode ir tirando o olho gordo, viu, seu sanguessuga, se você pensar em passar a mão na Âmbar, eu vou... – ameaçou MC Claus, o punho a centímetros do nariz de Luce.
- Porrr favorrr, non baixarrr a nível do convêrsa! – pediu Flávio Urso, carregando o sotaque. – Eu já pedirrr desculpa, “iafôl”? Non fazerrr mais. Vamos descansarrr, bebemos muito na teste. Vamos darrr tempo. Non vamos agir feito... monsterrrs por causa disso.
- Perfeitamente. – falou Âmbar. – Vamos demonstrar que somos pessoas civilizadas. Ao menos na frente do Macário aqui. O que ele vai dizer de nós nas conversas com os amigos dele?
Todos sossegaram o facho. Eu até estava me divertindo, mas já estava absurdo do jeito como estava.
- Certo, certo. – disse Luce. – Vamos manter o nível. Esta é uma casa de respeito, é um bar, mas não um bar qualquer, ao nível de um prostíbulo. Esperemos uma horinha e meia para ir chamando o restante do pessoal. Enquanto isso... podemos ir batendo um papinho amistoso, sem ataques pessoais. Passemos a palavra ao nosso querido Macário. Temos de conhecer melhor o nosso garçom.
- Eu? – perguntei.
- Verdade. – falou Morgiana, o cabelo negro brilhando sob a luz das lâmpadas agora acesas do bar, na rua já devia estar escuro. – A gente mal conhece o nosso garçom. Já que somos praticamente fregueses aqui, talvez seja melhor sermos mais... íntimos.
- Sim, sim. – concordou Andrômeda, lançando um penetrante olhar sedutor para cima de mim. – Por que não descobrirmos mais a respeito desse... bonitão?
Engoli em seco. Não é possível que aquelas garotas estivessem a fim de mim. Eu ainda tinha o papelzinho que Âmbar me passou ontem, com seu telefone. Mas não tinha condições de fazer frente ao MC Claus. Decerto os dois eram namorados mesmo. Ou casados.
- Claro. – falou Âmbar. – Por exemplo: Macário, de que cidade você vem? Você não parece ser daqui...
- Hum... – procurei manter a naturalidade. – vim de uma cidade menor, sim. Não tão grande como esta, mas é uma malha urbana.
- É? E o que trouxe você aqui? Veio tentar a sorte? Veio ser artista? – pergunta Andrômeda, com aquele olhar penetrante.
- Vim fazer faculdade. – respondo, com toda a calma que consigo reunir.
- Faculdade! Que curso?
- Medicina.
- Aah... um futuro médico. Mas que pena. Em vez de curar, está ajudando a matar mais gente... de bêbada. – Que piada ruim, a do Flávio Dragão. Mesmo assim, houve risadas.
- Não tenho culpa. Foi o cargo mais... digno que encontrei. – respondo, com um acento taciturno. – Para poder trabalhar à noite.
- Você gosta de trabalhar à noite? – pergunta Luce. – Quando o resto do mundo dorme, você gosta de andarilhar, digo, trabalhar?
- Hum... Troquei o dia pela noite. Digo, é como se eu frequentasse o curso de manhã, e à tarde fosse trabalhar. Só os horários que estão invertidos. Eu estou cursando o horário noturno. Que sorte que esta faculdade tem Medicina no horário noturno.
- E já atende pacientes?
- Ainda não. Mas devo, em breve.
- E não tem medo da parte das dissecções de cadáveres?
- Não. Faz parte do curso. É macabro, mas eu consigo suportar. Além do mais, os cadáveres usados já estão mortos, não seria legal se a gente dissecasse pessoas vivas, extraísse órgãos vitais ainda pulsantes... se é que me entendem.
Eles entenderam. Talvez a morbidez também faça parte de suas existências – de outra forma, não teriam motivos para fazerem alterações bizarras em seus próprios corpos. Ou teriam?
- Aah... Sabe, Macário? – pergunta Âmbar. – Minha irmã mais nova está prestes a entrar para o curso de Medicina, também.
- Ah, você tem uma irmã...
- Qual, Âmbar? – se intromete Breevort. – Aquela que é bru...
- Não, não! – interrompe Âmbar, tapando a boca de Breevort com a mão, uma expressão envergonhada no rosto, quase espetando seu rosto com aquelas unhas exageradamente compridas. – Ela não é isso, não. Só porque ela está envolvida com o misticismo, não quer dizer que ela seja bruxa, não mesmo!
- Ora, vamos, Âmbar – interrompe Luce – ela já vendeu a alma ao demônio.
- Não, não vendeu! – falou Âmbar, visivelmente brava. – Parem de insinuar coisas a nosso respeito! Ainda mais na frente do Macário!
- Pô, que tanto vocês se importam com o Macário! – responde Beto Marley. – Que que ele tem que nós não temos?
- É isso aí, respeitem a família! – intervém MC Claus. – Querem assustar o garçom? O que a família da mina aqui faz não lhes diz respeito!
- Obrigada, querido. O importante é que a Malva vai entrar no curso de Medicina! Vai ser médica e vai superar as suas... deficiências.
- Malva... devia se chamar Malévola. – falou Luce, com um sorriso irônico.
- Luce, seu...!
Decerto mexer com a família era o ponto nevrálgico de Âmbar. Ela só não apertava os dedos em punho por causa das unhas. Mas, mais uma frase e ela poderia avançar em cima de Luce.
- Misticismo? – intervim. – Sua irmã é esotérica?
- Não, é bruxa, mesmo. – disse Luce, querendo provocar.
- É nada! Ela não sabe fazer magia negra, não vendeu a alma ao demônio, e só recentemente ela conseguiu superar o medo de sangue! Nada relacionado! Parem de insinuar coisas! O que querem que o Macário pense?!
- Está bem, está bem. – disse Luce. – Não falo mais nada.
- É, aliás, por que tanta intimidade para com um humilde garçom como eu? – pergunto. – Por que você quer me contar a respeito de sua irmã, Âmbar? Digo, um garçom, em princípio, não deveria se envolver com assuntos alheios, ele só ouve histórias contadas por bêbados, mas não interfere nas mesmas...
- Ah, Macário, qual é o problema? – pergunta Morgiana. – Qual é o problema em sermos todos amigos, o garçom e os fregueses? Decerto um dia poderemos precisar de sua ajuda, digo, se um de nos sofrer algum ferimento...
- E eu – continua Âmbar – só estive falando que minha irmã vai cursar medicina. O Luce que é um bobo.
- E a sua irmã que é bruxa.
- Ah, vai tomar no...!
Senti que deveríamos mudar de assunto.
- Bem... e quanto a vocês? – perguntei, interrompendo a descompostura de Âmbar. – O que fazem da vida?
- Nós? – manifesta-se Luce. – Nós aproveitamos a vida. Temos nossas fontes de renda que permitem uma intensa vida noturna.
- Mesmo? Tipo, vocês são ricos e...
- Mais ou menos, meu querido. – continuou Luce, com uma evasiva. – Mas talvez não seja bom falarmos disso agora. O que importa saber a nosso respeito é que, assim como você, também somos apreciadores da noite, das luzes coloridas. Somos insetos em volta da lâmpada.
- Verdade. – disse Morgiana. – Somos privilegiados em fazer da noite nossa companheira. Da escuridão tiramos nossa força, nossa energia. Buscamos formas de aproveitar a vida, a diversão antes do apocalipse, que sabe-se lá quando chegará. E temos como pagar por isso.
Estavam sendo enigmáticos, mas eles estavam deixando claro que eram ricos, eram parte de uma elite despreocupada. Entendo: o dia revela as mazelas da sociedade, a noite as encobre. Mas quem sou eu para fazer tais questionamentos?
Bem, o importante é que eu comecei a achar os “monstros” figuras muito simpáticas. Eles eram educados o suficiente para pedir desculpas por uma malcriação mínima, sabiam se censurar por seus atos, e as aparências estranhas e agressivas eram apenas fachada. Julgar o livro pela capa não era o canal. Vou ficar feliz em continuar enchendo seus copos. Afinal, quantos membros de uma elite excêntrica se dão ao luxo de dialogar amigavelmente com um humilde garçom de bar, a ponto de dividirem certas intimidades, e pedirem as intimidades dele?
Bem, ainda tivemos muito a conversar, muitas ideias para trocar. Mas não vou me estender muito; vou contando aos poucos sobre o que conversamos, em recurso de flashback. Melhor que eu passe adiante. Que eu vá direto para a hora em que decidiram convocar o restante da “turma” para lotar o bar e experimentar a novidade – chope espumante, cremoso e gelado, servido pelo garçom Macário.
E, em nenhum momento, estranhamente, o patrão interferiu no diálogo. Não sei por quê. Talvez queria que eu me entendesse com meus novos “amigos”, que estão garantindo um maior faturamento do bar.
Decerto, o pior já passou. Ou será que não?

Fregueses me “adotando” como “o” garçom de suas festas, garotas vindo me procurar... havia algo estranho nisso tudo, mas depois eu volto a pensar nisso...

O próximo episódio, até segundo aviso, será daqui a 15 dias.
Como está a experiência de leitura de vocês até o momento?
Por um lado, a falta de feedback, positivo ou negativo, é angustiante; por outro, permite que a gente possa fazer o que quiser. Não vamos nos responsabilizar se o autor e ilustrador resolver "apelar" nos próximos episódios...
Continuem com a gente.
Até mais!

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