domingo, 30 de dezembro de 2012

ASTRONAUTA - MAGNETAR - terminando o ano na solidão do cosmo

Olá.

O ano já está chegando ao fim. E eu não podia deixar o ano terminar sem antes cumprir uma palavra com os leitores deste blog.
Termino o ano falando de quadrinhos. E, hoje, falando sobre um dos lançamentos mais comentados deste ano.
Há cerca de duas semanas, havia falado de Bando de Dois, graphic novel de Danilo Beyruth, um dos grandes nomes da cena atual dos quadrinhos brasileiros. E, provando o quanto ele gosta de surpreender a cada lançamento que faz, hoje falo de ASTRONAUTA – MAGNETAR, seu mais recente lançamento.


O PROJETO
ASTRONAUTA – MAGNETAR foi lançado em outubro de 2012, agora. E faz parte do mais novo projeto da Maurício de Sousa Produções, responsável pelo mundinho feliz da Turma da Mônica, que faz a alegria dos brasileiros desde os anos 60.
Desde que os quadrinhos da Turma da Mônica saíram da Editora Globo e passaram para a editora Panini, a qualidade do material só fez aumentar. Maurício de Souza já fez seus personagens crescerem, no inicialmente polêmico título Turma da Mônica Jovem, que se converteu, em pouco tempo, no gibi mais vendido da América Latina na atualidade. E, embora a linha normal de quadrinhos do estúdio continue, com seus inesquecíveis personagens, novos projetos já apareceram e causaram furor no mercado editorial brasileiro.
Em 2009, partiu de Sidney Gusman, editor-chefe do site Universo HQ e editor do presente álbum, como forma de homenagear os 50 anos de carreira do criador da Turma da Mônica, a idéia de colocar artistas consagrados reinterpretando os personagens da Turma da Mônica em seu estilo. Surgiu, assim, o comentadíssimo MSP 50, álbum que reunia 50 artistas brasileiros interpretando ao seu modo personagens da Turma da Mônica. Deu tão certo que o projeto ganhou mais dois volumes: o MSP + 50, em 2010, e o MSP Novos 50, em 2011.
A idéia deu tão certo que gerou filhotes. Agora, em 2012, saiu o álbum Ouro da Casa, onde artistas que trabalharam no Estúdio Maurício de Souza interpretam os personagens no seu próprio estilo, fugindo do estilo “estandardizado” do Estúdio.
No primeiro semestre de 2012, também foi anunciado um projeto ousado: o selo Graphic MSP, no qual artistas nacionais – que, naturalmente, participaram do projeto MSP 50 – fariam, em seu estilo, histórias mais longas, de até 70 páginas, com os personagens, usando uma abordagem mais madura e ousada – já que o conceito de graphic novel, novela gráfica, é de álbuns de quadrinhos destinados aos adultos, com histórias destinadas a um público mais maduro e intelectualizado (bão, a parte do “intelectualizado” pode ser questionada em alguns casos).
Foram anunciados quatro títulos desse selo: um do Astronauta, um do Piteco, um do Chico Bento e outro da Turma da Mônica.
Inaugurando o selo, então, chegou às bancas ASTRONAUTA – MAGNETAR, de Danilo Beyruth, o criador do Necronauta e de Bando de Dois.

O ASTRONAUTA
Beyruth já havia participado do álbum MSP + 50, com uma história da Turma do Penadinho. E agora, retorna reinterpretando o personagem Astronauta, um dos preferidos dos artistas que participaram do MSP 50.
Quem acompanha e acompanhou o universo da Turma da Mônica, certamente conhece o Astronauta. E ainda deve estar se perguntando por que seu traje espacial, bem como sua nave, são redondos feito bolas. E olha que o Astronauta foi criado em 1963, no auge da corrida espacial entre Estados Unidos e União Soviética, quando certamente soaria absurda a idéia de uma nave redonda feito um cometa (foguetes, naquela época, eram pensados no formato ogival, melhor adaptado para conter a fricção com a atmosfera).
Mesmo com esses conceitos de ciência maluca, distantes da realidade, o Astronauta conquistou o público numa época em que o principal sonho das crianças seria o de ser astronauta, se aventurar no espaço, tal como os heróis da ficção científica como Flash Gordon, Buck Rogers ou Perry Rhodan. Ou, pelo menos até saberem que, na verdade, rotina de astronauta é uma das mais duras que existem (sabiam que os astronautas precisam usar fraldas especiais para evacuar no espaço?!). Muito antes de Marcos Pontes, o primeiro astronauta (real) brasileiro voar para fora da Terra, Astronauta Pereira (sabiam que esse é o nome completo do Astronauta?) era o grande representante do Brasil no espaço – e olhe que, naquela época, brasileiros astronautas era uma coisa impensável, nós que éramos subdesenvolvidos na época da Ditadura Militar. Aliás, a imagem acima, extraída da internet, foi publicada pelos Estúdios Maurício de Souza nna época do vôo de Marcos Pontes.
Bem. O Astronauta de Maurício de Souza foge desses problemas, em verdade. Ele, como bom astronauta de quadrinhos que se preze, vive aventuras em outros planetas, interage com alienígenas, tenta deter os ETs mal-intencionados, porém o grande sustentáculo de suas aventuras são os seus dramas pessoais: a solidão e a saudade. O Astronauta, realizando seu grande sonho de infância, viaja pelo espaço, cumpre missões para a agência fictícia BRASA – Brasileiros Astronautas, vive aventuras que poderiam quebrar a mesmice de uma rotina puxada, porém ele sempre sente saudades de sua família na terra, e, principalmente, da ex-namorada, Ritinha, que, não suportando a saudade, casou-se com outro homem durante a ausência de Astronauta. Convivendo com uma eterna dor-de-cotovelo e com a solidão do espaço tendo por companheiro mais freqüente apenas o computador de bordo, o Astronauta também costuma fazer reflexões sobre a humanidade e a vida fora da Terra – aquela questão eterna se nós, humanos, estamos sozinhos no universo. O Astronauta é o porta-voz de Maurício de Souza para essas questões filosóficas complexas.
Mas, ao contrário de outros astronautas da ficção, o Astronauta, quando quer, consegue voltar para a Terra – ainda que em casos raros – pousar sua nave-bola perto do sítio dos pais, no interior de São Paulo, e visitar sua família, embora suas esperanças de reconquistar Ritinha estejam perdidas para sempre. E, logo depois de matar as saudades, voar do mesmo ponto da Terra e partir para o espaço, em busca de novas aventuras.
Em tempos recentes, o traje espacial do Astronauta, que surgiu desenhado da forma mais simples possível, foi remodelado, parecendo um traje espacial mais realístico, para a série Turma da Mônica Jovem – sem dispensar, entretanto, a cúpula redonda de vidro. Acredite ou não, apesar do formato bizarro – o traje de astronauta mais próximo que se conhece do traje do personagem é o do Buzz Lightyear, da cinessérie Toy Story – o traje espacial arredondado lhe dá muito mais vantagem, pois é um verdadeiro canivete suíço, cheio de recursos que facilitam o cumprimento das missões. E, hoje, o formado arredondado da nave pode ser considerado plausível, afinal, lembrando um cometa, permite viagens a distâncias mais longas, e de certa forma enganando as teorias do espaço-tempo de Einstein, que permitem que ele consiga retornar à Terra e ainda encontrar os pais vivos e a Terra do mesmo jeito como deixou. De todo modo, de 1963 até hoje, o design do personagem mudou muito pouco. Até agora.

O MAGNETAR
De fato, o Astronauta que aparece em ASTRONAUTA – MAGNETAR lembra pouco o Astronauta como o conhecemos. É um astronauta mais próximo da realidade, desenhado no traço realístico e estilizado de Beyruth, e colorido por Chris Peter.
Numa abordagem mais madura, Beyruth trabalha, em ASTRONAUTA – MAGNETAR, o tema da solidão do Astronauta – eleva o tom, porém mantém as características do personagem, conservando inclusive o consagrado formato redondo da nave. O personagem é colocado, na trama, em uma situação que certamente o próprio Maurício de Souza nunca teria pensado. O álbum também se apóia numa pesquisa séria em astrofísica, mas com as devidas liberdades poéticas que fazem a trama de ficção científica fluir melhor. Aliás, o nome do álbum foi sugerido por um astrônomo.
Bão. O Magnetar, que dá nome ao álbum, é um conceito complexo de astrofísica: trata-se da matéria formada por uma estrela de nêutrons – o estágio final de vida de uma estrela cerca de 10 a 40 vezes maior que o sol, quando, após consumirem todo o hidrogênio que as alimenta, explodem em supernova e formam um corpo de alto campo gravitacional. Ou, em termos mais simples, é como se fosse uma estrela supercomprimida. Para entender, é melhor ler o álbum.
O álbum começa quando o Astronauta recorda sua infância, no interior de São Paulo, as férias vividas no sítio de seu avô e dos conselhos que ele dava – conselhos que, no decorrer da aventura, lhe serão muito úteis. E, pouco depois, vemos o Astronauta em sua nave arredondada, a caminho de estudar um magnetar, cercado de asteróides de rocha e de gelo.
No processo de estudo, fora da nave, ele procede a instalação de uma série de transmissores para captar as explosões energéticas do corpo celeste. Entretanto, a afobação e um erro de procedimento o colocam rapidamente em perigo. O Astronauta consegue escapar do primeiro – uma forte descarga de energia que por pouco não avaria a nave. Mas não parou por aí: um meteorito, em forma de menir, acaba danificando seriamente a nave.
Preso no magnetar, o Astronauta se vê em uma situação kafkiana: é um náufrago sideral. Se fosse na Terra, ao seria uma situação tão perturbadora; mas, como é o espaço sideral, onde não existe ar e nem recursos vitais... Precisa lutar para manter a nave funcionando, precisa racionar seus suprimentos, e obtém água e oxigênio de uma das rochas de gelo que flutuam ao redor do magnetar. E, no correr dos dias, ele mantém uma rotina repetitiva, procurando um jeito de consertar a nave e sair dali.
Mas isso dura mais tempo que ele pensava. E, consequentemente, a saúde mental do Astronauta começa a ficar questionável. Está ficando paranóico e tendo alucinações – em uma delas, ele acaba visualizando as pessoas que acabou deixando na Terra – o avô, os pais, o irmão, Ritinha – e se recordando dos conselhos do avô. E, a partir dessa alucinação, ele tem a inspiração para um plano arriscado para se salvar – ainda que custe o impensável: abandonar sua fiel nave.
O roteiro de ASTRONAUTA – MAGNETAR, como as histórias anteriores de Beyruth, apesar dos deslizes que apresenta, é bem trabalhado e excepcional. Nunca teríamos imaginado o Astronauta metido em uma situação daquelas. As partes “científicas” do álbum – como a parte em que o Astronauta captura, com ganchos e cabos, a rocha de gelo – são detalhadas e aventurescas. O traje do personagem se parece mais com o do Buzz Lightyear do que com o do Maurício de Souza. O Astronauta de Beyruth se parece mais com o Tintin do que com o Astronauta. O roteiro é digno de cinema – apesar do final um tanto apressado, prejudicado, possivelmente, pelo uso massivo de páginas inteiras, páginas duplas e quadros “espichados” para ocupar, às vezes, duas páginas, justamente a qualidade que torna a trama mais dinâmica e cinematográfica e, portanto, diferencial das revistas de linha do personagem. Outro recurso elogiável foi o usado para retratar a repetição da rotina do Astronauta: começa com uma página retratando a tal rotina, depois essa página é repetida com um texto diferente, e a página vai se tornando menor, ocupando um quarto de página, e cada vez menor, e assim por diante – até chegarmos ao quadro retratando o Astronauta barbudo, de roupa esfarrapada, física e mentalmente destroçado.
Não é uma trama para crianças – os detalhes “científicos” parecerão mais confusos para o público menos maduro e menos habituado a conceitos de astrofísica, ou simplesmente para quem não é chegado a ficção científica. Sem falar que o personagem é usado de uma forma que pode chocar o público infantil que sempre vibrou com o personagem. Há trechos que soam assustadores.
O flashback inicial do personagem no sítio do avô chega a ser tocante, antes de ser abruptamente cortado pela visão do Astronauta dentro do cockpit de sua nave. Beyruth e Peter, em certos momentos, criam verdadeiras obras de arte ao retratar o universo que cerca o personagem. Também é possível encontrar referências ao próprio universo de Maurício de Souza, aqui e ali.
O álbum se completa com extras: um texto introdutório do próprio Maurício de Souza e um posfácio do navegador e escritor Amyr Klink; um glossário com alguns dos termos usados na narrativa; um caderno com esboços e idéias não-aproveitadas (difícil crer que os esboços, aqueles garranchos de Beyruth, se transformaram na arte que vimos ao longo do álbum); e a biografia do autor.
O álbum tem duas versões: capa dura e capa cartonada. A segunda é mais barata: R$ 19,90. E, em três meses, já ganhou uma segunda edição.
Incrível, é o que se pode dizer. Se no ano que vai entrar este álbum não ganhar todos os prêmios nacionais, tem alguma coisa errada aí.
Nos anos 90 e 2000, eu deixei de comprar os gibis da Turma da Mônica por causa da evidente perda de qualidade das historinhas, sempre iguais. Depois que o universo de Maurício passou para a Panini, a melhora de qualidade se tornou evidente. As coisas nunca mais serão as mesmas depois do selo Graphic MSP. Estamos no aguardo dos próximos títulos.
Para encerrar, dois desenhos meus. No primeiro, um astronauta admirando a Terra do Espaço. Depois da ação do homem sobre o planeta, será que Yuri Gagarin, o astronauta soviético que disse que “a Terra é azul”, ainda estará certo? Por isso eu não pintei a ilustração. Uma reflexão para levar em 2013 e além. Minha homenagem ao Astronauta, um dos personagens do qual eu gostava quando lia os gibis da Mônica na infância.
E o segundo desenho é... bem... uma mensagem de ano novo reaproveitada. Com o Teixeirão. Alterei algumas coisas, mas é a mesma mensagem de ano novo publicada em 2011. Foi uma mudança feita especialmente para a publicação da mensagem no blog do Teixeirão (http://naestanciadoteixeirao.blogspot.com.br/). Como era uma mensagem datada... Mas que importa?
Feliz 2013 a todos! Continuem conosco e acompanhem as novidades! Algo me diz que 2013 vai ser um ano legal. Estou disposto agora a esquecer a verdadeira correria que foi 2012.
E esperamos que o mercado de quadrinhos em 2013 continue tão bom quanto foram os anos a partir de 2010. Para os brasileiros, é claro.
Até mais!

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