domingo, 13 de junho de 2010

Livro: O CRIME DO PADRE SÓRIO

Olá.
Hoje, continuo a minha homenagem ao falecido professor Luís Eugênio Véscio. Ele foi sepultado hoje - porém, não pude comparecer ao velório por estar a quilômetros de distância de Silveira Martins, onde ele foi enterrado.
Em homenagem a ele, vou neste momento resenhar seu livro mais conhecido - O CRIME DO PADRE SÓRIO - Maçonaria e Igreja Católica no Rio Grande do Sul - 1893 - 1928.

Este livro foi publicado em 2001, numa parceria entre a Editora da UFSM e a Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Quando li este livro pela primeira vez, foi para uma oficina que foi promovida pelo próprio Luís Eugênio Véscio sobre maçonaria. E foi até proveitoso, pois fiquei conhecendo o estilo do professor. Além do quê, O CRIME DO PADRE SÓRIO é um livro de história muito interessante.
Em um exercício de micro-história, Véscio pegou um pequeno fato, de interesse local, para montar um panorama sobre o assunto tratado. No caso, a maçonaria e suas relações com a Igreja Católica no Rio Grande do Sul. Numa verdadeira investigação, um simples crime faz revelações surpreendentes sobre a nossa história.
O livro nasceu da tese de doutorado do autor. O título é uma espécie de referência ao romance O Crime do Padre Amaro, de Eça de Queirós, e não é mera coincidência. E começa pelo seguinte: no município de Silveira Martins, no início do ano de 1899, o padre local, o italiano Antônio Sório, foi atacado enquanto voltava de sua igreja por homens provavelmente encapuzados. Ele teve seus testículos esmagados - ou melhor, foi praticamente castrado - e, antes de morrer, depois de agonizar por três dias, ele rogou uma "maldição" à cidade: enquanto houvesse pedras em Silveira Martins, a cidade não evoluiria.
Como o Padre Sório não revelou o nome dos culpados pelo crime, só existem especulações pelo que pode ter acontecido. Uma versão diz que o Padre, que alguns afirmam não ser um legítimo modelo de conduta, teria "desonrado" uma donzela, e os atacantes seriam parentes dela, que queriam justiçá-la; outros dizem, e esta versão é endossada pela Igreja Católica do local, que o Padre teria sido vitimado por membros da maçonaria de Silveira Martins. Naquele tempo, início do século XX, tinha muita força a disputa de influências entre a Igreja Católica e a Maçonaria no Rio Grande do Sul. Em Silveira Martins, o problema era ainda mais complicado por causa que os membros da maçonaria queriam erigir ali um monumento a Giuseppe Garibaldi - e bem em frente à Igreja.
As querelas entre Igreja Católica e Maçonaria tinham fundamento. Afinal, a Maçonaria é uma das ordens mais misteriosas do mundo. Muitos dizem que os maçons, em suas cerimônias, cultuavam figuras demoníacas. Mas o certo é que a Maçonaria é uma ordem de ajuda mútua a seus membros. Ela teria origem com os pedreiros da Antiguidade, os que melhor guardavam o segredo das construções dos templos e catedrais. É uma ordem que também preza a ciência e a razão em detrimento à superstição - e se opunham à Igreja Católica por esta representar uma face do obscurantismo e um impedimento ao progresso devido aos dogmas por ela defendidos. Bem, a Igreja Católica também atacava a Maçonaria, reforçando a versão dos "cultos satânicos".
Os cultos é um dos segredos mais bem-guardados da ordem, bem como a forma pelas quais os maçons reconhecem-se de qualquer canto do mundo. Seus símbolos são o esquadro, o compasso e a letra G, e suas sedes de reuniões são conhecidas como lojas.
As relações entre a Igreja Católica e a Maçonaria no Brasil ficaram mais graves a partir de 1864. Isso porque o Papa Pio IX havia determinado, pela bula Syllabus, a proibição de relações entre católicos e maçons - entre estas, os padres não deveriam casar maçons. O problema é que membros do governo imperial eram maçons. Os bispos de Olinda e de Belém, tentando acatar as ordens do Papa, acabaram sendo presos e condenados. A "Questão Religiosa" foi um dos fatores que, junto à chamada "Questão Militar" e a abolição da escravatura, aceleraram o fim do Império Brasileiro, pois a Igreja acabou retirando o seu apoio ao governo de Pedro II.
No início do século XX, além de ataques mútuos entre Igreja Católica e Maçonaria, havia uma política de clientelismo entre os maçons: as lojas maçônicas prestavam favores a seus membros, como o de livrá-los de condenações ou promoções. Isso tudo é relatado por Véscio no livro.
Partindo da investigação do Crime do Padre Sório, Véscio monta um panorama da maçonaria no Brasil e no Rio Grande do Sul. A questão de Silveira Martins, as origens da Maçonaria, a "Questão Religiosa" no Brasil e a política de clientelismo, bem como os ataques mútuos entre maçons e católicos - os que mais se esforçavam em atacar os maçons eram os palotinos, das quais faziam parte muitos padres de origem italiana - como Sório, que havia sido designado para atender a região da Quarta Colônia de Imigração Italiana, localizada no centro do Rio Grande do Sul, perto do município de Santa Maria, que compreende os municípios de Silveira Martins, Itaara, São Martinho e outros.
O texto de Véscio é saboroso para a área de História. As revelações feitas por ele no livro partiram de uma ampla pesquisa nos arquivos da Loja Maçônica Grande Oriente do Rio Grande do Sul - GORGS, localizada em Porto Alegre. Essa história é interessante: Véscio, durante a fase de pesquisa, passou algum tempo copiando documentos do arquivo; o arquivista, no entanto, com pena dele, resolveu xerocar os documentos solicitados pelo pesquisador. Mas, de uma hora para outra, o acesso aos documentos da maçonaria acabou sendo barrado. O que Véscio conseguiu, entretando, é considerável e revelador. E tudo ainda ilustrado com fotos e cópias dos documentos, além das excepcionais ilustrações do artista santamariense João Luís Roth, que abrem cada capítulo do livro.
No entanto, o Crime do Padre Sório não teve solução até hoje. O segredo está enterrado em seu túmulo em Silveira Martins, ao qual eu já visitei durante uma excursão. Se Véscio teve a intenção de acusar os maçons pelo crime, ele não conseguiu provar sua tese. Bem, quantas histórias, entretanto, podem nascer de um simples fato isolado! O CRIME DO PADRE SÓRIO junta-se a clássicos da micro-história como O Queijo e os Vermes de Carlo Ginzburg. Uma leitura mais que recomendável - e não é puxasaquismo. É opinião de um historiador que sabe quais são os melhores livros para a História.
Para adquirir o livro, informações podem ser conseguidas no site da Editora da UFSM (www.ufsm.br/editora/). Vale a pena, não apenas a quem se interessa pela história da maçonaria.
Para encerrar: as outras dez tiras da série Teixeirão Visita a Sede da UFSM, publicadas na revista Quadrante X no. 9, de 2008.
O prof. Véscio sempre comprava a Quadrante. Por isso, a homenagem.
Ah: em uma das tiras, eu tinha pedido ao Marcel Jacques, que ia diagramar a revista, para inserir em uma das tiras uma imagem do mural A Conquista da América, do Centro de Artes e Letras da UFSM. No entanto, vocês podem ver que não deu certo. Mas tudo bem. Por uma tira, a obra não fica estragada.
Em breve, a série estará disponível, em tamanho maior, no site Quadritiras (http://www.quadritiras.com.br/).
Descanse em paz, prof. Véscio! Tua obra certamete gerará frutos!
Até mais!

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