domingo, 17 de dezembro de 2017

MACÁRIO - Capítulo 24: "Crepúsculo de Revelações"

Olá.
Hoje, domingo, já passados 15 dias desde que foi ao ar o último capítulo; eis aqui mais um episódio de meu folhetim ilustrado para adultos, MACÁRIO. Prevemos que, neste ano de 2017, depois deste, só teremos mais um capítulo publicado; depois, só em 2018.
ATENÇÃO: Leitura não recomendada para menores de 18 anos. Contém cenas de nudez, presença de criaturas sobrenaturais, consumo de bebidas alcoólicas e dissimulação.



O dia começou do modo como meus dias tem começado ultimamente: abrindo os olhos e acordando aos poucos, depois de um tempo desacordado... após uma situação de pesadelo.
Quanto tempo terei ficado desacordado? Será que ainda estava vivo?
Será que eu realmente sonhei que havia me tornado um vampiro, que tomei várias surras em uma única noite, e que os “monstros” haviam se transformado realmente em... monstros?
Foi tudo um pesadelo, claro que foi, ahahah... Eu não vivi nada do que aconteceu na noite passada... Foi tudo um pesadelo, ahahah... Foi tudo um...
Olho ao redor.
Pela qualidade da luz que penetrava em minha janela, era fim de tarde. Mas... o quarto não era meu.
Eu estava deitado em uma cama. Mas não era a cama que eu costumava deitar. Era uma cama grande, espaçosa, de casal. Os lençóis eram finos, de tecido que aposto ser seda, e de cor bem clara. Aliás, tudo naquele quarto era claro. As paredes pintadas de branco, os móveis pintados de tons de branco, cinza, creme... tudo levemente ganhando um tom esverdeado por causa da luz decrescente do fim da tarde.
No criado-mudo ao lado da cama, um despertador antigo, de ponteiros, daqueles que a gente precisa dar corda com a chavezinha que fica atrás. Ele marcava cinco horas. Eram cinco da tarde, agora?
E eu estava nu.
Mas não havia sinais de que eu havia dormido com alguém.
A última coisa que eu lembro foi que eu, ferido, sujo de sangue e poeira da rua, com a roupa esfarrapada, cheirando urina... enfim, reduzido a um trapo humano em uma vã tentativa de me tornar vampiro, fui conduzido por Luce, Andrômeda e Jorge Miguel a um galpão onde os outros “monstros”, que frequentavam o bar onde trabalhava, se encontravam. Luce falou alguma coisa sobre “não haver mais segredos”, e aí, o pessoal, que já era esquisito por suas aparências transgressoras, ficou ainda mais esquisito.
Todos se transformaram em monstros, literalmente. Ogros, duendes, demônios, louva-deuses gigantes, tubarões com pernas, bruxos, górgonas, lobisomens, harpias... e vampiros. Luce, Andrômeda e Jorge Miguel se revelaram vampiros. E Andrômeda revelou ser irmã de Luce. As emoções foram tão fortes e intensas que acabei desmaiando – e eu já estava fraco por causa da desnutrição que passei desde que saí de casa. Tudo o que consegui manter no estômago foram doses de sangue de rato e de cachorro. É tudo que consigo lembrar.
Deve ter sido um pesa... Ai!
Senti uma pontada de dor em minhas costelas. Olhei meu corpo nu: estava cheio de hematomas. Manchas roxas que iam sumindo lentamente. Nos braços, nas pernas, no tronco... E havia um curativo na dobra de meu braço. Pelo que parece, ali foi instalada uma agulha de transfusão – de sangue, ou de soro, mas nem o cabide, e nem uma mangueira de transfusão estavam ao lado da cama.
Então, eu realmente levei uma série de surras ontem! Uma matilha de cães demoníacos, uma gangue, uma prostituta com um tijolo em sua bolsa (pelo que parecia), um tabefe da Créssida... e Luce, que me fez de saco de pancada.
E Luce, não satisfeito em me espancar, ainda sugou o sangue da Geórgia... enquanto Andrômeda sugava o da Maura. Ambos usando seringas gigantes! Luce alegou que vampiros modernos faziam assim, evitavam encostar a boca na pele das vítimas, algo assim.
Isso tudo tem de ser um pesadelo.
Mas então... para que quarto eu fui levado? Se eu tivesse sido morto, eu deveria acordar em meu próprio quarto. Mas este não era o meu quarto.
Bem, vou ter de buscar respostas. Só havia um jeito: explorar a mansão. Decerto, fui levado para uma mansão, pois o quarto tinha pinta de luxuoso. Era amplo, com um roupeiro grande, diversos móveis acolchoados e com detalhes cuidadosamente esculpidos na madeira, tapetes decorados, uma escrivaninha, um toucador com espelho, uma televisão de tela grande... e a cama tinha até dossel! Sabem, aquela cobertura, aquela espécie de telhado de tecido, sustentado por pilastras, nas camas da realeza dos palácios...
No todo, aquele quarto equivalia a quatro vezes o meu quartinho, do meu apartamento. Não: era o meu apartamento inteiro multiplicado por dois!
Recostada em uma cadeira, estava a minha mochila, ainda suja por conta das aventuras de ontem. E, junto a ela, o meu apanhador de sonhos, e um roupão. Um chambre felpudo. E mais nada para vestir – sumiram com minhas roupas.
Vesti o roupão: decerto, era mesmo para eu vestir assim que acordasse. A cavalo dado não se olha os dentes. E não posso explorar a mansão pelado, vai que eu encontre o dono de repente?!
Coloquei o apanhador de sonhos no pescoço. Ao menos, a proteção conferida pelo pajé Mateus continuava evitando o pior para mim. Talvez por isso ainda estava vivo. Sofrendo, mas estava vivo.
Dirigi-me à janela enorme.
Estava certo: era fim de tarde, o sol já começava a deitar no horizonte – o quarto, ou pelo menos esta janela, estava voltada para a direção oeste. Havia cidade no horizonte, dava para ver o aglomerado de prédios lá longe. Ao redor do casarão, um jardim cheio de árvores. Como suas copas estavam abaixo da janela, devo concluir que a mansão tinha vários andares; uns três, quatro andares. E se não for uma mansão, e se for um edifício, um condomínio...?
Depois, fui examinar minha mochila, ver se não haviam saqueado nada. Estava tudo ali, felizmente. Meus livros, meu estojo, minha carteira... meu celular novo, com a tela trincada.
Aspirei meu corpo: não havia cheiro de urina nem de sangue. Meu corpo cheirava a sabonete e creme hidratante: decerto, limparam meu corpo enquanto estava desacordado. Se preocuparam até em me fornecer soro ou coisa assim: eu estava me sentindo fraco, faminto, mas não muito – nem me sentia desidratado. Conseguia andar.
Mas quem? Por quê?
Deixei a mochila repousando na cadeira, e me dirigi ao que parecia ser a porta do quarto. Havia umas três ou quatro portas naquele quarto, uma delas deve dar ao corredor.
Mas aquela porta não era a do corredor: era um armário, cheio de artigos esportivos. Uma bolsa de tacos de golfe, um taco de beisebol, uma bola de boliche, uma raquete de tênis, um florete de esgrima, e vários trajes para a prática de esportes: roupa de equitação, de tênis, de iatismo... Todos trajes de esportes sofisticados, praticados por gente rica. E eram trajes femininos. Então, devia ser um quarto de mulher.
De repente, lembrei que os “monstros” já haviam mencionado que eram, sim, ricos. Hum, devo estar na mansão de um deles. Estaria na mansão da Morgiana? Não, se me lembro bem daquele sonho que tive, a mansão dela não era cercada de árvores e não era muito alta. Tampouco deveria ser a mansão da Âmbar e do MC Claus, sei que a decoração é diferente – naquele sonho, Âmbar se encontrava em um ambiente onde tudo era avermelhado.
Ali, perto daquele armário, estava o toucador, cheio de produtos de beleza, cremes, pomadas. Tudo muito bem organizado, os potes e garrafas organizados em ordem de tamanho, alinhados ao espelho.
Me dirigi a outra porta: era outro armário. Mas, desta vez, tinha um conteúdo mais... assustador.
O armário era cheio de caixas, vidros, potes de conserva, cheio de substâncias coloridas e animais conservados em formol. Aliás, o armário cheirava a formol, mas nada empoeirado – parecia tudo conservado com o máximo de cuidados, cada vidro limpo, transparente, e igualmente havia organização por ordem de tamanho, datas nas etiquetas... Mas não deixava de emanar cheiro de formol, ou talvez naftalina. Havia até um crânio humano ali dentro. Fecho a porta rapidamente, depois de sentir um leve enjoo.
Quem quer que seja a proprietária do quarto, devia lidar com bruxaria, magia negra ou medicina alternativa. Ao lado desse armário, uma escrivaninha, mas meio mal conservada, com manchas de produtos químicos e sinais de corrosão, porém houve uma tentativa de higienização, estava coberta com uma capa de plástico. Cheirava levemente a água sanitária. Devia ser ali o seu laboratório. Claro: ainda havia uma caneta tinteiro, um vidro de nanquim e livros ali em cima, livros grossos, mas, em suas capas, diziam ser tratados de anatomia. Resisti à tentação de folhear os livros.
Esta terceira porta tem de dar a um corredor... Eu já estava ficando assustado...
Oba! É um corredor!
Um corredor comprido, típico de mansão, com carpete em toda sua extensão, móveis esparsos, papel de parede. Tudo aparentando ter muitos anos de idade, mas tudo muito bem conservado, com um leve cheiro de mofado, tratado a naftalina. Só aquele corredor dava à mansão uma aparência de museu. Ali perto da porta, havia uma cristaleira, com porcelanas evidentemente antigas, estampadas com pinturas orientais coloridas com muito esmero.
Fui olhando o que havia ali. Uma mesinha com um abajur antigo, esmerado, outra mesinha com livros antigos em cima, alfarrábios de uma outra época, e outra cristaleira, com jeitão de antiguidade. Tudo ali tinha jeito de antiguidade. Seu proprietário, ou proprietária, devia ser mesmo de família tradicional, e que se esforçava em manter o legado familiar.
O corredor era cheio de portas. Vários quartos. Que vontade de dar uma olhada nos quartos, ver o que havia neles...
Mas, quando fui espiar em um dos quartos, eis que ouço vozes, vindas do fim do corredor. As vozes gritavam, discutiam. E eram familiares. Fui em direção ao som. E conseguia distinguir trechos de conversas.
- Você foi muito precipitado...
- Era cedo demais para isso...
- Por que contou a ele?
- E se ele espalhar para todo mundo?!
- O que faremos com ele agora?
As vozes vinham da base de uma escada, cujo topo se encontrava ao fim do corredor. Acesso ao andar de baixo. Uma escada de madeira muito sólida, feita para durar muitos anos. Envernizada, e com o corrimão artisticamente esculpido. Enquanto descia a escada, pé ante pé, eu ia ouvindo a discussão acalorada que se processava ali embaixo:
- Luce, por quê?! – pergunta, indignada, uma voz feminina. Era a voz de Andrômeda. – Por que torturar dessa maneira o coitado?!
- Também acho que você se precipitou muito. – desta vez a voz era masculina: a voz de Jorge Miguel. – Foi uma maneira muito... como direi...
- Espetacular? – a voz agora era de Luce. – É, foi espetacular. Admitam.
- Não. Foi imprudente, isso sim! – a voz era feminina: Âmbar. – E ainda por cima o trouxe para nós todo estropiado! Maldita hora em que concordei com isso! – e ela começou a chorar. – Se era para vê-lo daquele jeito... e ele é tão bonito...
- Ah, vai, chora. – falou Luce. – Só porque você precisou revelar sua forma mais assustadora para ele... Que ele já tinha visto na outra dimensão.
- Luce, eu creio que vamos ter problemas, agora, claro que vamos. – agora, era a voz de Breevort. – Deixar um humano saber, assim, de nossa existência!
- “Eczatamente”. – Reconheci o sotaque forte de Flávio Urso. – Porr que tu, Luce, se deu ao trrabalha de rrelevarr a ele a eczistência des crriaturras noturrnas?!
- Oras, pensei que vocês tivessem sacado, amigos. – manifestou-se Luce novamente. – Ele é humano, mas, fundamentalmente, é um de nós! Ele é diferente! Ele também absorve energias da escuridão! Ele é perfeito para todos os nossos propósitos! Inclusive aos das mulheres!
- Sim, mas... – Andrômeda se manifestou, mas Luce a interrompeu:
- Confessa, maninha. Você também está apaixonada por ele. E muito.
- Sim, Luce... todas gostamos muito dele. Mas não a ponto de fazê-lo sofrer. (soluço) E agora, que ele sofreu este choque... O que ele pensará a nosso respeito?! Ele vai fugir de nós como um demônio da cruz! (soluço) Ele pensará que queremos devorá-lo como se fosse um leitão pururuca! (soluço)
- Ele não nos verá da mesma maneira que nos conheceu... Talvez pior! – falou Âmbar, entre soluços.
- Garanto que ele não vai fugir, irmã. Ele vai aceitar a nossa proposta.
- Com toda certeza. – reconheci o vozeirão de MC Claus. – Tem de ter muita força de vontade para resistir ao que temos em mente. Ele sabe que, apesar de tudo, somos gente bacana.
- Mas e se ele pensar que somos criaturas malignas?! – pergunta Breevort.
- Calma. – disse Luce. – Ele só necessita de uma “amaciada a mais”. De mais um papinho para que seja convencido. Mas ele vai se juntar ao nosso grupo. Vai ver que entre nós ele só terá vantagens. Que ele estará melhor entre criaturas noturnas que entre humanos!
- Sei non... – falou Flávio Urso. – Ele serr ton gentil, ton prrestativa... estarrmos atirrando uma pobrre alma no inferrno. E tu, Lúciferr, serr o porrteirro das porrtas do inferrno. Serr o Carronte a rremarr a barrca!
- Que há, Flavião, está com peninha dele? – completou Luce, dando uma risada maligna.
Oh céus. Sem dúvida que eles estavam falando de mim!
Desci devagar a escada, e me acomodei, agachado, no meio. Dali, dava para ver o pessoal discutindo, em uma sala de estar. Luce, Breevort, Andrômeda, Jorge Miguel, Flávio Urso, Âmbar e MC Claus. Não via ali Morgiana, Flávio Dragão, Beto Marley, Fifi... É, estes não vieram à reunião. E todos os presentes estavam em suas aparências humanas. Oh, decerto a parte em que eles viraram monstros tivesse sido mesmo sonho!
Mas eles falaram alguma coisa sobre “criaturas noturnas”, “revelar nossa existência a um humano”... Felizmente ninguém ainda me viu ali.
Luce, vestido com uma camisa branca, e ostentando o mesmo penteado da noite anterior, cabelo loiro a ponto de ser branco, agora olhava para Breevort, que, sentado em uma poltrona, ainda vestia aquele casaco surrado, e não tinha aquelas feições de duende – ostentava a careca, a tatuagem no rosto e as unhas compridas (ei, ele não as havia cortado, dias atrás? Como elas cresceram tão rápido?!), e, nervoso, brincava com os próprios dedos da mão. O restante do grupo estava em pé. Jorge Miguel, com seu cabelo cuidadosamente penteado e arredondando sua cabeça, se balançava, distribuindo o peso do corpo em um pé, e depois em outro, parecendo dançar; Flávio Urso, com aquela aparência de lenhador, bebericava em uma caneca do tamanho de uma leiteira. Andrômeda, vestida de branco, com um cinto comprimindo os pneus da cintura, e ostentando a cabeleira prateada, segurava nas mãos um lenço, com o qual ia enxugando as lágrimas. Âmbar, com aquelas roupas mínimas com as quais me acostumei a vê-la, estava trêmula, chorosa, segurando um copo de uísque, que ela ia “temperando” com suas lágrimas. MC Claus, usando o casacão de pele, estava bem tranquilo e descontraído.
- Até eu mesmo estou com reservas em continuar com isso, Luce. – Breevort se manifestou novamente, apertando as mãos cruzadas uma contra a outra. – Ainda mais depois do que você fez com Geórgia!
- Calma, cara. Tirei apenas um litro de sangue. E ela está saudável, apenas toma alguns remédios de tarja preta, eu diria que são antidepressivos, mas nenhum traço de entorpecente ou bebida alcoólica nas últimas 24 horas.
Oh céus. Até isso um vampiro é capaz de saber, bebendo o sangue da vítima?! Geórgia tomava antidepressivos e eu não sabia?!
- Pode ser que ela fique surpresa em ver as marcas – continuou Luce – e até acabe fazendo como o Macário e pensando que se tornou vampira... De toda forma, ela vai tentar saber a respeito de sua verdadeira natureza, amigo...
- O que eu não quero que ela saiba! – Breevort explodiu. – No que você estava pensando?!
- Mas em breve ela também haveria de saber sobre... nós. – Falou Jorge Miguel, com toda calma. – Talvez ela acabe fugindo, ou aceitando nossa condição... Mas ela invadiu nosso espaço. Vai acabar sabendo de tudo.
- Mas ela, a garota Geórgia, é diferente do Macário. Ela é diurna. – falou Andrômeda.
- Mas tem todo jeito de que aceitará nosso mundo, assim como o Macário – foi o diagnóstico de MC Claus. – E tu, Breevort, fez uma boa escolha. A mina lá é bem linda. E transgressora.
- Mas eu não gostaria que ela soubesse que eu...
- E eu não gostaria que o Macário soubesse que nós... – manifestou-se Âmbar, mas Luce interrompeu:
- Bem, então tenta você convencê-lo a pular fora enquanto ainda está vivo... Você, sim, sabe convencer fácil homens como o nosso querido Macário... Vai, aproveite que ele se encontra ali, ó...
E Luce apontou para a escada.
Ele me notou! Ele sabia que eu estava ali! Tomei um grande susto.
Os outros também. Somente Luce, de alguma forma, havia reparado que eu estava na escadaria, ouvindo aquele inusitado diálogo!
- Oi, Macário! – Luce me cumprimentou, com alegria. – Você acordou, afinal! Quanto tempo faz que você está acordado?!
Sentado na escada, com o coração batendo forte, respondi:
- Eu... eu... eu acordei faz uns... uns... acordei agora. Eu... eu...
Luce demonstrava muita cordialidade, mesmo que de um modo muito teatral.
- Ah, Macário. Caso esteja se perguntando onde você está... esta aqui é a minha mansão, sim.
- Ma... mansão? Sua?!
- Dele e minha também. – falou Andrômeda, olhando com mau humor para Luce. – Ambos administramos as mesmas propriedades. E...
- Sim, Macário, você acordou no quarto dela aqui. – interrompeu Luce, apontando para Andrômeda. – E aí, gostou do que viu? Viu a coleção de produtos de beleza dela?! – e deu uma risada, enquanto Andrômeda ficou carrancuda.
- Eu... eu... mas como eu...
- Oi, Macário. – falou Jorge Miguel, cordialmente. – Tudo bem com você? Seus ferimentos já estão estabilizados? Sente-se melhor? Claro que já, não? Você não poderia ser imune às panaceias que aplicamos em você.
- Eu... hã...
- Lembra, não é, Macário? – manifestou-se Luce. – Você apanhou pra burro na rua ontem, e, aliás, peço perdão pela surra que dei em você. Aí, te apresentei para o restante do pessoal, eles se mostraram como realmente são, e aí, você desmaiou. E aproveitamos o ensejo para te tratar. Trouxemos você aqui para a minha mansão. E Andrômeda, é claro, cuidou muito bem de você. Te deu até banho enquanto você estava desacordado, que moral, hein?!
- Pudera, Macário... – falou Andrômeda, com um sorriso amarelo. – Todo sujo, estropiado... Oh, Macário... Você não merecia o que este... este... tipinho aqui te fez.
- Mas... mas... – procurei coordenar as ideias. – O que houve ontem à noite... foi... foi real mesmo?!
- Ah, Macário, não seja tímido, desça aqui que a gente esclarece tudo. – ordenou Luce, com delicadeza. Em seguida, fez um sinal estranho para o restante dos presentes.
Obedeci. Desci a escada. Mas... Em um momento, aquele grupo estava com sua aparência humana, como os conheci; do outro... eles assumiram a forma monstruosa. Eu estava trêmulo, mas acho que agora eu estava começando a me acostumar.
- Pode chegar mais perto, ninguém vai te morder. – convidou Luce, ostentando as presas na boca.
Engoli em seco. Havia pouca gente na sala, mas não deixava de ser uma experiência assustadora.
Jorge Miguel com os olhos vermelhos e pupilas em forma de fenda; Andrômeda com a cabeleira prateada e as presas; esses dois, e mais Luce, eram os que pareciam mais humanos, enquanto os outros... Breevort com a aparência de um duende, um rosto de feições vagamente humanas, nariz comprido e adunco, orelhas pontudas e as unhas afiadas – o que permanecia nele eram a tatuagem no rosto e a careca, sem isso eu não seria capaz de reconhece-lo; MC Claus com a aparência de um ogro, um irmão gêmeo do Shrek, com casaco de pele, a pele verde, a cabeça bulbosa, no formato de um chuchu, com “brotos” (as orelhas mínimas) saindo dos lados; e Flávio Urso como uma criatura peluda, uma mistura de gorila com lobisomem. Âmbar, inexplicavelmente, desapareceu. Deixara apenas o copo de uísque sobre o balcão.
- Mas... mas... mas...
Meu olho estava arregalado, meu corpo trêmulo. Mas precisava aguentar firme. Eu sou homem, tenho quase vinte anos... Não posso ficar com medo de vampiros, ogros... Medo de criaturas lendárias é coisa de criancinha! Adultos tem medo é de violência urbana, de assaltantes humanos! Mesmo assim, sentia que ia mijar dentro do roupão emprestado.
- Bem, Macário – falou Breevort, com uma expressão triste que se contrapunha à sua aparência – não é um pesadelo: somos criaturas noturnas, sim.
- Cri... cria... criatu...
- É isso aí, mano. – falou MC Claus, mas sorrindo, simpático. – Somos criaturas que dão um jeito para se misturar entre os seres humanos. No momento estamos em poucos, mas nosso grupo é bem maior. Somos só a “diretoria” do grande grupo. A turma que toma as decisões pelo restante. Tu entende, né?
- Mas... mas... – sempre olhando para MC Claus, perguntei, gaguejando: – C... Claus... você... você... é um ogro?
- Oras, não está vendo? Claro que sou! – MC Claus não pareceu se irritar.
Oh, céus. E, em sonhos, eu “comi” a mulher dele! Ou melhor... ela que me comeu, em todos os sentidos.
- E você... você... – tímido, apontei para Breevort.
- Sou um elfo. – ele até fez uma reverência.
- E... elfo?! Mas... mas... mas você... hã... você é...
- Sou uma espécie... hum... especial de elfo. Um elfo negro. Sei, acho que você esperava um elfo tipo “Senhor dos Anéis”, loiro, bonito... – É, eu estava, sim, esperando um elfo como os que aparecem nas ilustrações de livros de RPG... – mas é que tem dois tipos de elfo, os brancos e os negros... Os negros são mais deformados. – Breevort me dirigiu um olhar enviesado antes de prosseguir: – Mas, antes que pergunte, não, não sou do mal, não. Te juro. Ah: mas não conte para a Geórgia, viu?
- Eu... hã... claro, não vou contar.
Disse aquilo sem pensar. Mas ele pareceu contente. E me olhava como se implorasse para que eu não contasse seu segredo.
Oh céus. E esse... esse... ser... esse ser estava flertando com a Geórgia. Com uma aparência meio monstruosa, deformada. E, embora juramentasse que não era “do mal”, como não posso ter certeza de que foi esse ser intitulado elfo negro quem decepou a orelha de um pivete?!
- Breevort, não se iluda, rapaz. A moça vai é escolher o Marto Galvoni. – manifestou-se Luce.
- Ah, não vai não! – irritou-se Breevort. – Você não vai estragar nossa relação! Ela gostou do meu jeito! Tivemos um encontro legal na noite passada! Ela está ligada na minha...
- Mas o Galvoni gostou do jeito dela, Breevort, não adianta. E ela também gostou do jeito dele. Acredite, você não tem como ganhar esse triângulo amoroso.
- Mas estou disposto a lutar até o fim! Como um cavalheiro! Posso não ser “sofisticado” como o italiano, mas eu tenho o que uma mulher realmente procura! Pode crer que tenho! Posso perder neste jogo, mas não será sem luta!
Pelo jeito, Breevort queria mesmo mostrar que monstros também amavam. Para Luce, ele olhava raivosamente, diante daquele sorriso irônico, sarcástico. Para mim, ela fazia um olhar de quem pedia ajuda.
- Oh, por favor, Macário, amigão! – Breevort agarrou meu braço. – Por favor, sei que você e a Geórgia são amigos, e até transam de vez em quando, e eu não levo isso a mal, mas por favor, não conte a ela o que sou de verdade! Porfavorporfavorporfavor! – implorou, chorando. – Eu sei como os humanos são, mas... ela... a Geórgia... eu... (soluço)
- Que patético... – disse Luce, dando uma grande risada.
Até Jorge Miguel deu uma risada.
- Eu não vou contar, Breevort, já disse que não vou contar! – assegurei, com o olho mais arregalado que conseguia.
- Ahaaah, Brreevorrt... – manifestou-se Flávio Urso, rindo enquanto sorvia sua cerveja. – Nem parrece homem... ou melhorr, nem parrece elfo negrro...
- E você também vá tomar no...! – Breevort quase gritou para o tranquilão Flávio Urso.
Naquele sala, os únicos que não estavam rindo eram Breevort, Andrômeda e eu. E Âmbar, se eu soubesse para onde ela foi. 
Ali, no canto, o monstro que deve ser Flávio Urso continuava bebericando seu caneco de cerveja, normalmente, cobrindo seu focinho peludo de espuma. Me virei em sua direção.
- Oi. – cumprimentou.
- Você... você... – gaguejei de novo. – Você é... é... O que é você?!
- Ah, Macário, o Flavião aí é uma criatura difícil de definir, na verdade. – manifestou-se Luce. – Ele é uma cruza de duas criaturas. De licantropo, o popular lobisomem, e de pé grande.
- Hein?!
De fato, era difícil definir Flávio Urso dentro de uma classificação convencional. Sua cabeça era quase totalmente peluda (só não havia pelos no espaço dos olhos) e tinha um focinho projetado como o de um lobo, mas os traços eram mais simiescos, com orelhas laterais. De fato, parecia uma espécie de pé grande, ou sasquatch, monstro lendário do América do Norte. Ou um Chewbacca, de Star Wars, que tentou fazer um corte de cabelo e o resultado não ficou legal. Usando um enorme casaco felpudo e bebendo cerveja.
- Minha mãe êrra uma licantrrôpa, e meu pai erra um sasquatch. – ele explicou. – Uma estrranho moisture. – E deu um arroto. – Oh, pardon.
- Flávio! Onde está sua etiqueta?! – repreendeu Andrômeda.
- Ele, Flávio Urso, é o resultado bem-sucedido do atavismo entre criaturas lendárias. – explicou Luce, alegre, como se tivesse sido ele o descobridor do resultado da experiência científica. – E com a devida maneira de se esconder do restante do mundo.
- Er... pois é... – foi o que aquele monstro falou.
Eu passava, gradativamente, do medo para a fascinação. Estava diante de representantes de uma fauna de monstros legítimos! Bem, eu teria de deixar para depois para tentar entender essa história de atavismo.
- Eu... eu... eu não contarei nada a ninguém, juro! – foi minha reação, tentando controlar o início de uma provável hostilidade entre aquelas criaturas. – Não vou contar a ninguém o que vocês são!!
- É bom mesmo que não conte, meu chapa. – falou Jorge Miguel, me fulminando com aqueles olhos vermelhos. – Temos muito trabalho para manter nossa existência em segredo do restante do mundo, sabe?! E, no fim, o mais que conseguimos é nos passarmos por humanos excêntricos! Por uma tribo urbana de aparência transgressora!
Andrômeda ficou vermelha. Certamente, Jorge Miguel, ao falar em “humanos excêntricos”, estava se referindo também a seu cabelo prateado, à sua língua bifurcada – e ela ficava sentida com isso. Não era à toa que ela aparecia no bar usando peruca.
- Bem... – falou Luce. – Se bem que alguns de nós temos mais facilidade para nos passarmos por humanos. Nós, os vampiros, por exemplo... a Âmbar também... e... ué, onde está a Âmbar?
- Ela estava aqui... – falou Andrômeda.
Agora é que todos repararam que Âmbar não estava ali? Ou melhor, alguém mais além de mim reparou.
- Ela está aqui. – falou MC Claus, olhando atrás de um móvel. – Saia daí, Âmbar, querida.
- Não! – ouvi uma vozinha bem fininha gritando. – Não, por favor, Clauzinho, eu não quero que o Macário me veja assim...
- Vamos, mina. – falou MC Claus, calmamente, se apoiando atrás no móvel. – Não tem mais jeito, temos de contar a verdade. A m(...) já está feita. Eu já contei, agora é sua vez...
- Oh, não, por favor... – retrucou a vozinha fininha e triste.
Ué? A Âmbar estava aspirando gás hélio atrás do balcão? Mas para quê?...
E MC Claus tirou, de trás do móvel, um minúsculo louva-a-deus, e o colocou sobre o móvel. O louva-a-deus verdinho estava encolhido, e parecia assustado. Tentava esconder a cabeça com as garras de seus braços.
- Â... Âmbar? – perguntei.
- Por favor, Macário... não vai se assustar com o que você vai ver, tá? – e era o louva-a-deus que estava falando, mesmo!
E, diante de meus olhos, o louva-a-deus saltou do móvel e, rapidamente, começou a crescer e a se metamorfosear. Suas antenas encolheram, sua cabecinha ganhou um cabelo claro, suas patas dianteiras diminuíram, suas garras viraram mãos, um par de patas traseiras sumiu, o outro par virou pernas humanas... Enfim: diante de meus olhos, o louva-a-deus se transformou em humano. Na Âmbar. Da forma como a conheci, a bela e sensual Âmbar. Felizmente, vestida – a roupa devia fazer parte de sua forma de inseto.
Fiquei de olho arregalado. E Âmbar sorriu, sem jeito.
- Oi, Macário.
- Â... Âmbar... você... você...
- Eu sou uma ninfa, Macário.
- Uma...
- Isso, mesmo, Macário: uma ninfa. – ela tentou ser enfática.
- Ninfa?!
- Uma... uma criatura das florestas... da mitologia grega... plenamente adaptada à vida urbana.
- Ma... ma... ma... – gaguejei.
- Eu... eu... – Âmbar lacrimejava muito. – Por favor, Macário, nos perdoe... me-me... me perdoe... eu... eu não queria...
- Ah, Âmbar, não chore. – falou MC Claus, tentando consolar Âmbar. – Ninguém queria ter de contar que somos o que somos. E... oh, Macário, você está chocado?
Fiz que sim com a cabeça.
- Eu não esperava nada disso... – balbuciei.
- Você... hã... Macário, você está com medo da gente? – pergunta Âmbar, com lágrimas nos olhos.
Sentia, na verdade, meus olhos revirando, e minha cuca fundindo.
- Eu?! Eu... não, eu não estou com medo, não, não, não... eu só estou custando a acreditar... a acreditar... eu não acredito que nesses dias todos... nessas semanas todas... eu... eu estive servindo bebidas a vampiros, elfos, duendes, ninfas, ogros, demônios, bruxos... ih, ih, ih! Ah, ah, ah, ah, ah!!!
E acabei dando uma risada descontrolada. Acho que acabei fazendo um escândalo.
- Eu já não sei se o que ando vivendo é sonho ou realidade... não sei de mais nada!!! Ahahahah... é agora que minha cabeça vira geleia!!! Ihihihih...
E continuava rindo descontroladamente, segurando minha cabeça, tentando impedir que ela estourasse ali, no meio da sala.
- Macário, por favor... – Âmbar chorava.
- Macário, se acalme, rapaz. Se acalme. – pediu Luce, educadamente. – Te senta no sofá, respira fundo. Colocar ar na cabeça. Se acalme.
Obedeci. Respirei fundo, mas mal conseguia conter o riso nervoso. Beirando a demência.
- Ihihih... Ora, ora... – comecei a falar, sentindo a oxigenação do cérebro. – Ora, ora... é difícil de acreditar... hehehe... um vampiro que toma bloody mary... uma vampira que toma marguerita... um vampiro que toma conhaque... um elfo que toma caipirinha... um ogro que toma piña colada... uma ninfa que bebe de tudo... ihihih...
- Ué, Macário, qual é o problema?! Monstros não podem também consumir o que os humanos consomem?! – perguntou Jorge Miguel, com indignação.
- Eu... – enxuguei uma lágrima, respirei fundo, e me senti mais calmo, mais sereno, com o cérebro mais oxigenado. – Eu não digo que não possa, eu só não imaginava que isso seria... possível. Principalmente... vampiros consumindo bebida alcoólica...
- Ah, Macário, eu lhe disse... – falou Andrômeda, agora sorrindo. – Muito do que os humanos escreveram sobre vampiros não corresponde à realidade. Vampiros podem, sim, comer e beber.
- Podem?
- Podemos comer e beber, mas não digerir, Macário. – falou Luce. – Para que os humanos não desconfiem, sabe... a gente ingere comida e bebida na frente deles, acumula no estômago... mas temos de vomitar tudo depois. Nós fazemos como algumas modelos que desfilam por aí. Para a nutrição, só aceitamos sangue.
- É... é mesmo?! – estremeci.
- É mesmo. Quanto aos outros aí, sem problemas, eles podem beber e se embebedar. Inclusive o Flavião. Você dificilmente encontrará um humanoide quem beba mais do que um pé grande.
E Flávio Urso solta outro arroto. Andrômeda repreendeu novamente.
Soltei outra risada descontrolada. Mas fui me acalmando aos poucos.
- T... tudo bem, agora estou calmo. – falei, olhando para todos eles. – Calmo. Muito calmo. Sério, estou calmo. Eu já acredito que vocês são reais. Todos vocês. Eu já acredito em magia, viu? Vocês manipulam magia, certo? Pois eu acredito nisso, sim. Acredito, viu? Eu já consigo aceitar a existência de vampiros, ogros, elfos, ninfas... olha, não fiquem bravos comigo, viu?! Eu não quero ofender vocês...
Tentei ser enfático, fazer com que realmente acreditassem que eu acreditava neles. Acho que convenci. Que bom, eles não iriam me devorar...
- Mas ninguém aqui está ofendido, Macário. – falou Breevort. – Ninguém está bravo com você.
- Eu estou – falou Âmbar, me olhando enviesado.
- Â... Âmbar... – fiquei assustado. – Eu... eu... Mas eu já disse que...
- Não, Macário, não é por causa da sua reação.  – Âmbar começou com um sorrisinho, e depois quase encostou seu nariz no meu, olhando em meus olhos. Senti seu hálito de uísque. – Eu sei, é normal que um humano reaja dessa maneira quando sabe de nossa condição... – daí, ela ficou carrancuda. – É por causa de outra coisa, Macário... Que história é essa que eu pareço gorda, hein?
- Hein?!
Todo mundo arregala o olho.
Ué, essa eu não entendi!
- Mas do que você está falando, Âmbar?!
- Não pense que eu não sei o que você falou, Macário... que você disse que eu e a Andrômeda parecemos gordas...
Andrômeda fica vermelha de novo.
- Eu falei isso?! – pergunto, surpreso. – Mas... Mas... Quando foi que...
- Ah, sim, foi naquela noite... – falou uma voz atrás de nós.
E, de uma porta lateral, Morgiana apareceu de repente, trajando um roupão parecido com o que eu estava usando. E ela estava na forma humana, com o cabelo negro úmido e brilhante.
- Morgiana?!
- Ah, oi, pessoal. – cumprimentou Morgiana, sorridente, exibindo os dentes afiados. – Oi, Macário. Acordou, e parece legal, que bom, eu já estava preocupada... Desculpem não ter aparecido na reunião, mas é que eu estava nadando... Eu precisava nadar um pouco... Valeu por deixar usar a sua piscina, Luce...
- Ah, tudo bem, Morgiana. – falou Luce. – Sei que você precisa de água, de muita água...
- Bem, como eu ia dizendo, lembra, Macário, que você falou para mim? – continuou Morgiana, alegre. – Que perto de mim, a Andrômeda e a Âmbar parecem gordas?!
Ah, agora eu estava lembrado! Eu realmente falei isso na noite em que eu fui atraído para a piscina de Morgiana e suas irmãs... Mas... Foi sonho, não foi?! Os tais portais mentais são sonho, não são?!
- Mas... mas... como assim?! Você... Âmbar! Você consegue dar um jeito de ler a mente dos outros?! Mas eu tenho certeza de que...
- É, Macário, vamos dizer que eu, sim, consigo dar uma de voyeur dos sonhos alheios. Esse é um benefício a mais do uso dos portais mentais.
- Ma-ma-ma-ma-mas... mas...
- Depois a gente ensina como se usa essa técnica, viu, Macário? – falou Morgiana, galhofeira. – Claro que tem seus efeitos colaterais, como confusão mental, terror noturno, e gente bisbilhotando. Mas... ah, Âmbar, é verdade, sim... Perto de mim você parece gorda.
- Não sou gorda nem pareço gorda! – falou Âmbar, sem se alterar, e empinando aqueles peitões maravilhosos. – Que culpa tenho de meus seios... hã... avantajados, hein? Eu sei que o Macário gosta. Você gosta de seios grandes, né, Macário?
Do decotão que Âmbar ostentava, desviei meu olhar para Andrômeda. Mas a vampira não demonstrava ter se ofendido. Ainda assim, não respondi a pergunta de Âmbar.
- Mas ele também gosta de seios do tipo pudim, não é mesmo, Macário? – falou Morgiana, prestes a abrir o roupão, possivelmente para mostrar os seios. – Se não fosse assim, nós não teríamos tido...
- Morgiana! – interrompi aquele insólito diálogo. – E você, que criatura é?!
- Hein? Como as... – Morgiana começou a falar, e, depois, olhou em redor. – Hã... pessoal? Por que vocês estão transformados assim? Breevort? Flávio? Jorge?
- Puxa, Morgiana, agora que você reparou que estamos mostrando ao Macário nossas verdadeiras formas?! – falou Luce, com um sorriso irônico. – O Macário já estava quase enlouquecendo. Mas agora... falta você mostrar quem é.
- E... eu?! Eu...
- Morgiana... que tipo de criatura é você?! – repeti. – Aqui tem três vampiros, um elfo negro, um ogro, um pé grande, digo, meio pé grande, uma ninfa... e você, o que é?!
Morgiana ficou muito vermelha. Balbuciou alguma coisa, olhando para os lados, de cabeça baixa. E, no fim, ergueu a cabeça, abriu o roupão, e, antes mesmo que o roupão caísse no chão, e possibilitasse uma visão de seu corpo nu, Morgiana caíra... transformada, num piscar de olhos, em um pequeno tubarão cinzento, que se debatia ali, no chão da sala. Fiquei assustado.
- Mor... mor...
- Morgiana!! No chão da sala não!!! – gritou Andrômeda. Certamente, ela não estava gostando de ver um tubarão, mais ou menos do tamanho de um ser humano, se debatendo no chão de uma sala.
- Oh, desculpe! – falou o tubarão.
E a criatura sofreu outra metamorfose: agora, metade dela era tubarão. Morgiana assumiu forma humana da cintura para cima, mas manteve a cauda de tubarão, e uma barbatana nas costas. Estava tal e qual no retrato que eu vi na exposição do Marto Galvoni. Então... Morgiana era... uma sereia?!
Morgiana olhou para mim, apoiada no chão de bruços (estava sem sutiã, claro), sorrindo sem jeito.
- Eh, eh... Éééé... pois é, Macário, eu... eu sou...
- Sim, Macário, uma sereia! – falou Andrômeda. – Uma sereia do tipo tubarão!
- Tipo tubarão?!
- Que há, Macário? – perguntou Breevort. – As sereias, assim como os elfos, também tem suas classificações! Nem todas as caudas de peixe são iguais!
- É isso aí, Macário... – falou Morgiana, com lágrimas nos olhos. – Eu sou uma... uma “tubaroa”! Uma “tubarina”... escolha o termo que achar melhor... E, bem... esta é só uma das formas que posso assumir...
- Enquanto enche o chão da minha sala de gosma de peixe! – falou Andrômeda, indignada.
De fato, a cauda de Morgiana estava úmida.
- Ei, foi o Macário que pediu para...
- Ah, que lindo. Se o Macário te pede para entrar em uma lata de atum, você entra?!
- E se o Macário te pedir para enfiar uma estaca no seu peito, você enfia? – a morena retrucou.
E, de repente, começou uma discussão.
E, enquanto o pessoal começou a discutir, praticamente, todo mundo envolvido em uma discussão totalmente nonsense, com cada um dando seus pitacos... só duas pessoas ali não estavam envolvidas, gritando, discutindo... eu, que olhava, paralisado... e Luce, que ria às bandeiras despregadas.
Depois que parou de rir, o vampiro me puxou pelo braço.
- Venha, Macário.
E me tirou da sala, enquanto todo mundo continuava discutindo, sem nem repararem na nossa saída à francesa. Morgiana já voltara à forma humana, e agora estava, nua, de discussão com Âmbar, pelo que entendi, sobre tamanhos de seios, e com MC Claus no meio da conversa... e Andrômeda discutia com Flávio Urso sobre os arrotos que ele dava, e era aí que Breevort e Jorge Miguel estavam envolvidos...
Mas eu não estava mais ouvindo. Luce me puxou de volta para o corredor no alto da escadaria.
- Ufff... – ele deu um suspiro. – Esse pessoal, francamente.
- Luce?!
- Melhor que tenhamos saído à francesa, Macário. Assim nós dois poderemos conversar tranquilamente. Só nós dois. – e enfatizou, me olhando nos olhos e sorrindo: – Só. Nós. Dois.
- Só nós dois... sobre o quê?
- Sobre a proposta que tenho para você.
- Proposta?!
- Você ouviu o que estávamos conversando, certo?
- Eu... eu ouvi, mas...
- Temos uma proposta para você, amigão. Uma proposta irresistível. Ir-re-sis-tí-vel, meu chapa. Mas vamos para outro lugar, é claro.
- O... Outro lugar onde?
- Vamos dar um rolê pela cidade, Macário! Aí eu vou falando com calma.
- Uma... uma volta pela cidade?!
As atitudes de Luce não estavam me soando racionais.
- É melhor quando eu tomo um ar noturno, Macário. Bem, hoje, de novo, você não vai para a sua aula, nem para o seu trabalho. Nós vamos passear. Vamos falar de uma proposta que temos para você.
- Mas... mas...
- É claro que, primeiro, você precisa se vestir, Macário. Venha para o meu closet. Vamos escolher uma roupinha para ti, e depois, vamos passear. Nós tivemos de queimar aquela tua outra roupa, depois que foi rasgada e mijada, ela não servia para mais nada.
- Hã... está bem.
E Luce me conduziu a um quarto. Não era bem um quarto: era um grande guarda-roupa, um corredor cheio de araras, cabides, e muitas roupas, masculinas e femininas, alinhadas. E sapatos também. O closet dele – e, pelo jeito, o de Andrômeda também.
Luce, rapidamente, remexeu nos cabides da seção masculina, cheio de casacos, ternos, camisas, etc., e sacou do meio das roupas um cabide contendo uma calça, uma camisa e um casaco, similares aos que eu usava no dia anterior, quando tudo começou. Me entregou também uma cueca, um par de meias e um par de tênis. Ali próximo, ao final do corredor, havia um biombo. Fui para trás do biombo, tirei o roupão emprestado e me vesti, sem questionar. A roupa serviu perfeitamente em mim – eu até diria que eram as minhas roupas, que na verdade elas foram consertadas!
- E aí, Macário, vestido? – perguntou Luce, que me esperava com a minha mochila nas suas mãos.
- Sim...
- Ótimo. Beleza, Macário. – entregou minha mochila e ordenou: – Por aqui, depressa!
E afastou algumas das roupas de uma das araras, como quem abre uma cortina, revelando a existência de uma porta secreta. Foi por ali, por um corredor escondido, que Luce e eu saímos, antes que os outros percebessem. Eu o segui, calado.
Por aquela passagem secreta, chegamos, em velocidade estonteante, a uma garagem. Haviam vários automóveis, mas era tudo o que eu consegui distinguir – a garagem estava escura, e nem tive tempo de ver como eram os automóveis: Luce praticamente me jogou dentro de um deles, no banco do caroneiro. Depois se sentou no banco do motorista, e o carro, rapidamente, percorreu uma estradinha dentro da propriedade, e ganhou a rua. Calado, a mochila em meu colo, eu vi a mansão de Luce e Andrômeda se afastando. Era enorme mesmo, apesar de ter apenas três andares.

Estava tudo acontecendo mais rápido que minha capacidade de absorção de informações... E Luce, ao volante, apenas sorria.

Próximo capítulo, e último do ano: daqui a 15 dias.
A série prosseguirá, se o Grande Desenhista do Universo permitir, ao longo de 2018 - ainda há muita aventura pela frente. Mas, até aqui, como está? Está boa? Está ruim? Continuo? Paro? Deixem um feedback, não doerá nada...
O próximo capítulo promete ser decisivo! Fiquem ligados!
Até mais!

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