quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

DOM CASMURRO HQ ou: a representação pictórica definitiva de um olhar de ressaca

Olá.
Hoje, trago aos meus 17 leitores a última resenha de livros do ano de 2016. Ao mesmo tempo, resenha de livros e de HQ. Porque é mais uma adaptação de uma obra literária para HQ.
Hoje, é uma adaptação de uma obra literária célebre. A mais célebre de um escritor brasileiro célebre. E, das muitas versões dessa obra célebre para HQ existentes no mercado brasileiro, escolhi a que ficou mais célebre.
Hoje, vou falar de DOM CASMURRO, de Machado de Assis. E a versão escolhida para HQ é a de Felipe Greco e Mário Cau, lançada entre dezembro de 2012 e janeiro de 2013 pela editora Devir.
A MAIOR INTRIGA FAMILIAR DA LITERATURA BRASILEIRA
DOM CASMURRO, publicado em 1899, seria um livro que dispensaria apresentações. Um romance célebre de Joaquim Maria Machado de Assis (1839 – 1908), o “bruxo do Cosme Velho”. Se fosse apenas por Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881 – e do qual já falamos neste blog), e sua continuação indireta, Quincas Borba (1891), o mulato, ex-tipógrafo e co-fundador da Academia Brasileira de Letras já teria alcançado a celebridade eterna como escritor, e já seria lembrado como um gênio, um brasileiro de letras inventivo o bastante para figurar entre os maiores escritores em língua portuguesa do mundo, etc. Mas não foi suficiente para o nosso mulato: foi em 1899 que ele lançou DOM CASMURRO, firmando-se de vez como nosso mais importante escritor! Tudo porque ele plantou na cabeça dos leitores a maior dúvida da literatura brasileira: Capitu traiu ou não traiu Bentinho com Escobar?
Bem. Memórias Póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba e DOM CASMURRO, a chamada “trilogia realista” do Bruxo do Cosme Velho, já deixam os outros livros do escritor para trás, até mesmo os contos parecem pouca coisa perto desses três romances. Não bastasse o defunto autor, o homem que não deu certo em nada de Memórias Póstumas, ou o rapaz que acaba mal depois de ser incumbido de cuidar do cachorro chamado Quincas Borba, Machado de Assis ainda nos fez julgar se houve ou não houve um ato de traição. DOM CASMURRO ainda figura, entre outros epítetos, como um dos livros brasileiros mais recomendados para leitura em vestibulares. O que não faltam, também, são edições do romance por várias editoras, visto que há anos a obra caiu em domínio público (a capa abaixo é de uma dessas edições: a da série Bom Livro, da Editora Ática, cuja ilustração de capa é uma das mais autoexplicativas do mercado).
Por aí, o que não faltam, ainda, são resumos comentados de DOM CASMURRO em livros e sites. A postagem do Estúdio Rafelipe acaba, nesse momento, se tornando mais uma.
Bem. Para falar da adaptação para HQ, naturalmente, como fiz em outras ocasiões, preciso falar do romance.
DOM CASMURRO, aviso antes, é um livro de leitura difícil, por conta do alto nível de detalhamento nos trechos descritivos, da linguagem rebuscada, da forte carga psicológica. Não é um livro daqueles que se lê por prazer, apesar da presença de um fino humor e da característica ironia machadiana – geralmente, se uma pessoa lê espontaneamente DOM CASMURRO, é mais por falta de opção em uma estante de livros. Há, é claro, os que conseguem gostar. Mas eu faço parte da parcela da população que não conseguiu apreciar o livro na íntegra, apesar das diversas opiniões positivas a respeito. Até porque sua narrativa, apesar da maioria de seus capítulos serem curtos, demora um pouco para “engrenar”, para chegar logo à parte mais emocionante. Mas posso dizer: eu li o romance na íntegra, não fiquei apenas nas sinopses comentadas. Bem, cada um com seu gosto, este blog não tem a intenção de se fazer de opinião geral. Já devo ter dito uma vez aqui: de Machado de Assis, dou mais preferência aos contos que aos romances.
Bão: DOM CASMURRO não foi exatamente um best-seller no ano de seu lançamento. Teve uma boa recepção por parte de crítica. A consagração do livro veio com o tempo, e com uma série de estudos que mudaram o caráter de sua interpretação.
É o seguinte: em DOM CASMURRO, somos guiados através das memórias de Bento de Albuquerque Santiago, o Bentinho, chamado Casmurro por ser um homem calado e introspectivo. Exercendo a profissão de advogado, viúvo e já idoso. Ele conta ao leitor episódios de sua infância e de sua maturidade, do nascimento de uma paixão até a destruição de seu lar por conta de um ciúme doentio.
Bentinho crescera em um sobrado na Rua de Matacavalos, no bairro da Lapa, no Rio de Janeiro. E o rapaz nasceu marcado: sua mãe, Dona Glória, prometera, devido às dificuldades do parto, que, se o filho sobrevivesse, iria se tornar padre. E, aos quinze anos, está na iminência de ser mandado para o seminário. A mãe de Bentinho tem o apoio dos familiares, que vivem com ela na mesma casa: Justina, a velha e carola prima do garoto, e Cosme, tio de Bento. Na casa, ainda mora um agregado, José Dias, que se torna o principal confidente e conselheiro de Bento.
É claro que Bentinho não estava a fim de assumir tal vocação. Tudo por conta da paixão que sentia por Capitolina, a Capitu, filha de um vizinho, Pádua. O garoto sente que essa afeição é recíproca. A afeição entre os dois nem chegava a ser segredo, já que ambos passavam muito tempo brincando juntos – mas as trocas de carinhos entre os dois nem ficavam em segredo. A menina, tida como desmiolada por conta de sua mania de andar com a “cabeça nas nuvens”, rabiscar muros ou o chão e ter atitudes de dissimulação, também é contrária à ideia de que Bentinho vá para o seminário. E força o rapaz a convencer a mãe a mudar a ideia da promessa. Enquanto isso, há muitas conversas e trocas de carinhos entre Bento e Capitu – o primeiro beijo acaba sendo em um momento em que o menino se oferece para fazer tranças no cabelo da amada.
Inicialmente, Bento recorre à intervenção de José Dias, para tentar convencer a mãe a não deixa-lo ir para o Seminário e estudar direito na Europa. José Dias, aliás, ciente dos motivos para tal pedido, foi quem comparou os olhos de Capitu aos de “cigana obliqua e dissimulada”, os famosos “olhos de ressaca” – no sentido do quebrar das ondas do mar no litoral. Essa comparação acaba adquirindo mais de um sentido, e pode dar uma pista sobre a personalidade dissimulada de Capitu, se ela for mesmo alguém capaz de conspirar contra as pessoas ao redor em segredo.
Porém, as tentativas de mudar o destino de Bento falham: Dona Glória, muito apegada à religião, não se deixa convencer, e o filho é mandado para o seminário, com o devido temor (instilado por José Dias) de que Capitu acabe conhecendo e se casando com outro homem, apesar de ambos terem jurado fidelidade recíproca.
No seminário, porém, Bento acaba conhecendo aquele que se torna seu amigo mais íntimo: Ezequiel de Souza Escobar. Os dois, em comum, descobrem que não possuem vocação para padre, e, entre uma conversa e outra, dividem segredos – Bento revela ao amigo de sua paixão por Capitu. E foi Escobar, que passou a visitar a família de Bento na casa da Rua dos Matacavalos, quem conseguiu convencer Dona Glória a tirar Bento do seminário, depois de dois anos, e fazer um órfão se tornar padre no lugar dele, possibilitando que ela cumprisse sua promessa para com Deus.
Bento estuda direito e se forma advogado em São Paulo, e, pouco depois de retornar ao Rio de Janeiro, se casa com Capitu, que foi, sim, fiel ao amado todo esse tempo. Antes disso, Escobar, que também largou o seminário e se tornara negociante, se casa com Sancha, a melhor amiga de Capitu. Os casais passaram a viver grudados, se visitando com frequência. Porém, uma série de fatos, aos poucos, começa a deteriorar a relação, antes harmônica, entre Bento e Capitu.
O primeiro fato foi o nascimento do filho do casal, Ezequiel. O menino demorara a vir ao mundo – e Escobar e Sancha já tiveram uma filha bem antes. E fora Escobar quem escolhera o nome do menino. Com o tempo – aos olhos de Bentinho – Ezequiel adquire traços físicos e psicológicos similares aos de Escobar, o que deixa o advogado desconfiado.
O segundo fato foi a morte acidental de Escobar, afogado enquanto nadava no mar. Bento faz uma avaliação das atitudes “suspeitas” de Capitu durante o velório, e, desse modo, o ciúme do homem cresce. Para Bentinho, estava mais que certo de que Capitu traíra Bentinho com Escobar – e Ezequiel não era filho “de sangue” de Bentinho. O ciúme chega a tal ponto que Bento renega Ezequiel. E a relação do advogado com Capitu deteriora – a situação já estava difícil por conta dos problemas de saúde de Dona Glória, que vem a falecer posteriormente. A solução acabou sendo a separação do casal: Capitu e Ezequiel são mandados para a Europa. Bento continua tocando seus negócios no Brasil, morando no sobrado construído no bairro carioca do Engenho Novo, cópia quase exata da casa da Rua de Matacavalos.
Capitu acaba morrendo de doença na Europa; pouco tempo depois, Ezequiel retorna para ver o pai, mas é recebido quase com frieza. No fim, o mais que Bento faz em favor do filho é dar mais dinheiro para que Ezequiel viaje para Jerusalém, onde o rapaz acaba morrendo de febre tifoide. E, desse modo, Bento termina o livro sozinho, triste, amuado.
Bem. A história é triste, mas o fato é que o autor não dá ao leitor plena certeza de que Capitu tenha mesmo traído Bento com Escobar. A história é contada em primeira pessoa, apenas com a visão de Bento sobre os fatos. Até a década de 1960, a leitura de DOM CASMURRO dava alguma certeza da traição: o livro era visto como as memórias de um homem desiludido por ter sido traído pela mulher e pelo melhor amigo. Tudo mudou na referida década de 1960, com o trabalho da pesquisadora norte-americana Helen Caldwell, que escreveu o livro O Otelo Negro de Machado de Assis. Redescoberto em anos posteriores, o livro de Caldwell, ao fazer uma comparação entre DOM CASMURRO e o personagem Otelo, de Shakespeare (que também teve um destino trágico devido a uma suspeita de traição que acaba levando-o a um ciúme doentio), abriu uma nova interpretação do romance machadiano: que, na realidade, Bentinho pode ter imaginado a traição de Capitu. Sob a ótica de um homem corroído pelo ciúme, a realidade que cerca Bentinho teria sido, na verdade, deturpada. E devemos lembrar que Bento é um advogado, dominava os recursos da persuasão, portanto, o que ele estaria tentando era convencer o leitor da possibilidade da traição. Se assim fosse, seria, então, a Capitu dos “olhos de ressaca” uma mulher inocente? Teria José Dias, mesmo sem querer, agido como o Iago da peça shakespeariana, que convencera Otelo a castigar a inocente Desdêmona? Interpretações não faltam, debates foram feitos aos montes, sob a luz da psicanálise ou de outras teorias extraliterárias. Mas a dúvida permanece.
E, apesar do caráter ambíguo de seu caráter, Capitu é considerada uma das melhores personagens femininas da literatura brasileira.
E ainda existe uma teoria de que Bentinho, na verdade, seria apaixonado por Escobar, usando a fixação por Capitu como forma de despistar o leitor...
Bão. De todo modo, DOM CASMURRO também teve suas adaptações para outras mídias. Para teatro, teve; para tevê e cinema, claro que sim. Para quadrinhos, óbvio.
Foram dois filmes produzidos em cima da obra machadiana: Capitu (1968), dirigido por Paulo César Saraceni, e Dom (2003), de Moacyr Góes. A mais extravagante e memorável adaptação para as telas foi a minissérie de 2008, Capitu, dirigida por Luís Fernando Carvalho e exibida na Rede Globo – naquele ano, se celebravam cem anos do falecimento de Machado de Assis. Capitu foi marcante, inclusive, pela cenografia ousada e pela trilha sonora que contou com temas da banda norte-americana Beirut – até hoje, o hit Elephant Gun remete ao seriado.
E quanto aos quadrinhos? Bem, para HQ, foram quatro adaptações de DOM CASMURRO para a nona arte, produzidas no século XXI. A primeira é a de 2005, pela editora Egba: dentro do projeto chamado Transcrever Romances Inteiros para Quadrinhos, o desenhista Ruy Trindade adaptou DOM CASMURRO. Depois, em 2011, Wellington Srbek e José Aguiar publicaram a sua adaptação, pela editora Nemo; em 2012, pela editora Ática, saiu a adaptação de Ivan Jaf e Rodrigo Rosa. E, entre dezembro de 2012 e janeiro de 2013, saiu a adaptação de Felipe Greco e Mário Cau pela editora Devir.

UM OUSADO PROJETO
DOM CASMURRO da Devir foi um projeto de adaptação para HQ que consumiu seis anos. Foi em 2007 que o escritor Felipe Greco recebeu de uma editora amiga o desafio de transpor o denso romance machadiano para a linguagem gráfica – e conseguiu! Quer dizer, com a ajuda de Mário Cau. Greco se encarregou do roteiro, e Cau dos desenhos.
O resultado foi um álbum de 232 páginas, sem contar capa (em duas versões disponíveis, dura e cartonada), tamanho 27,5 x 20,5 cm, com miolo preto-e-branco. DOM CASMURRO HQ foi contemplada pelo edital do Programa de Ação Cultural (ProAC) do Estado de São Paulo de 2011. Foi incluído entre as obras a serem distribuídas para leitura por alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA) no Plano Nacional de Biblioteca nas Escolas (PNBE) de 2014; e, após o lançamento, foi premiada: prêmio Jabuti de 2013 na categoria Ilustração (2º lugar) e na categoria Livro Didático e Paradidático (3º lugar); e Troféu HQ Mix de 2014, categoria Adaptação para Quadrinhos.

O REDATOR
Vamos falar agora dos autores envolvidos.
Pouco consegui descobrir a respeito da biografia de Felipe Greco. Só que ele nasceu no ano de 1976 (não constam nas fontes consultadas o local de nascimento nem onde reside atualmente), e que ele já tem uma sólida carreira como escritor de livros adultos e infanto-juvenis. Ele é autor de Caçadores Noturnos (Editora Desatino, 2001), O Coveiro (Desatino, 2003), Memórias do Asfalto (Desatino, 2006, prêmio ProAC); Relicário (Edições GLS, 2009); e Lilica, o Rabugento e o Leão Banguela (Desatino, 2010, também premiado pelo ProAC). Também possui no currículo uma peça teatral, O Escorpião (2009/10), concluída com recursos do prêmio de Interações Estéticas da Funarte.
Após 2013, depois da conclusão do trabalho com DOM CASMURRO, seu único trabalho conhecido com HQ, aparentemente, Greco não publicou mais nada, e nem se sabe o que ele está fazendo agora. Mas dá para se ter uma pista: seu blog, o Contr@verso (https://felipe-greco.blogspot.com.br/), tem atualizações constantes.

O ILUSTRADOR
Com relação a Mário Cau, a tarefa de levantar dados a seu respeito foi mais fácil. Nascido em 11 de outubro de 1984 (não consegui descobrir o local), Mário Cau (será esse seu nome verdadeiro mesmo? Também não consegui descobrir) se autodefine como “quadrinhista e ilustrador, um artista compulsivo e multitarefa: desenha desde sempre e nunca parou. Acredita nas Histórias em Quadrinhos como forma poderosa de comunicação, expressão e arte: são sua linguagem e sua voz”.
Uma das maiores revelações das HQB das primeiras décadas do século XXI, Mário Cau começou sua produção autoral com a série Pieces, sobre pequenos momentos cotidianos, “convidando o leitor a uma reflexão sobre os mesmos”. A série Pieces rendeu, até o momento, quatro álbuns.
Bem, por onde começar a esquadrinhar a carreira de Mário Cau? Oh, claro: que ele foi membro do coletivo Quarto Mundo, uma das mais importantes publicadoras de HQ independentes do início do século XXI. O Quarto Mundo iniciou suas atividades por volta de 2006 e encerrou-as em 2012, visando, além da publicação de HQs independentes brasileiras, a troca de experiências entre os quadrinhistas para contornar problemas na produção de HQs. Foi pelo Quarto Mundo que Cau lançou suas primeiras obras, incluindo a série Pieces.
Antes de 2010, Cau acumulou trabalhos em revistas do Brasil e do exterior. Para citar alguns desses trabalhos: ele apareceu em vários números das publicações Nanquim descartável, Café espacial, Quadrinhópole, Contos da Madrugada, Machado, Short Stack, Heavy Metal, Negative Burn, Layer Zero, Front, Vad Gor de Nu, Feira da Fruta em Quadrinhos, Monotipia, Shrunken Wool, Petisco Apresenta...
Bão. Seus primeiros álbuns saíram em 2009, pelo Quarto Mundo: Pieces 1 e 2, álbuns solo.
Em 2010, saíram Pieces 3, desta vez publicado de forma independente, e Nós – Dream Sequence Revisited, pela Balão Editorial. E Cau ainda participa do álbum MSP + 50, segundo volume de trabalhos em homenagem a Maurício de Sousa. Ele também participou do álbum Mônica(s), de ilustrações homenageando a mais célebre personagem de Maurício.
Em 2011, dois álbuns pelo Quarto Mundo: Burocrathia, com roteiro de Bruno Ishikawa, e By the Southern Grace of God, com roteiro de Elton Pruitt.
Em 2012, passou a integrar a equipe criativa de Equipe Evoke, webcomic produzida por Kiyash Monsef, em parceria com Estevão Ribeiro e Caio Yo e apoiada pelo Banco Mundial.
Em 2013, além de DOM CASMURRO (que fatura os já citados prêmios Jabuti e HQ Mix), ele lança, pela editora Novo Século, Terapia Vol. I, primeira compilação impressa da webcomic que ele começa a produzir por volta do ano anterior, sob os roteiros de Rob Gordon e Marina Kurcis, para o portal Petisco. Altamente elogiada pela crítica, Terapia rendeu dois prêmios HQ Mix na categoria Web Quadrinho, em 2011 e 2013. Terapia Vol. I foi lançado via campanha de crowdfunding no site Catarse.
Em 2014, Cau lança sua primeira graphic novel, Morphine, que inaugura o selo Pieces, de obras próprias do autor. E ele participa das coletâneas Feitiço da Vila (editora Jupati), Um Rock para Caçador, Cripta de Shogum e 3, 2, 1 – Fast Comics.
Em 2015, após faturar o Prêmio Ângelo Agostini de Melhor Desenhista de 2014, Cau participa de três álbuns: Quando a Noite Fecha os Olhos, com roteiro de André Diniz (parceria entre os selos Pieces e Muzinga, este último do próprio Diniz); Aqui e Acolá, pelas editoras Marsupial e Jupati, reunião de artistas de Brasil e Portugal; e Um Cara que Caiu do Céu (e Não Conhecia a Vida), com roteiro de Charlles Lucena (e do qual Cau é só um dos artistas convidados).
Seu álbum mais recente foi lançado em dezembro de 2016, na Comic Con Experience de São Paulo (CCXP): Pieces – Partes do Todo, pela editora Jupati, o quarto álbum da série.
Ainda exerce a função de ilustrador para clientes particulares, editoras, agências de publicidade e produtoras culturais, e de professor de HQ, Ilustração e Desenho Artístico na Pandora escola de artes em Campinas – SP, onde atualmente reside.
Seu site oficial: www.mariocau.com/; seu blog: https://mariocau.blogspot.com.br/ - o site foi uma das fontes consultadas para montagem desta biografia.
Várias informações acima, e outras mais, também foram extraídas do site Guia dos Quadrinhos (www.guiadosquadrinhos.com/) e da biografia dos autores constante no final do presente livro.

FORTUNA CRÍTICA
Bom. O que dizer a respeito de DOM CASMURRO HQ?
Vamos dizer que houve um casamento perfeito entre o roteiro de Greco, altamente fiel ao romance e mantendo a narrativa linear, e o estilo híbrido de comics e mangá de Mário Cau (um exemplar de Machado de Assis mangá, portanto?).
Greco tomou o cuidado de cortar alguns trechos supérfluos da narrativa – os referentes a reflexões filosóficas do narrador. A representação pictórica desses trechos já seria suficiente. O essencial do longo texto machadiano, é certo, foi mantido – Greco, decerto, estava pensando na venda da obra para as bibliotecas escolares. Greco adotou a divisão do romance machadiano em cinco partes, cada uma autorreferente: Promessa, Namoro, Seminário, Casamento e Separação. Em todas essas partes, somos guiados pelas memórias de Bentinho, e os acontecimentos adotam o devido tom de flashback. Sem dar, no entanto, a devida certeza se houve ou não houve traição por parte de Capitu. Embora o ponto de vista de Bentinho prevaleça, há a possibilidade da inocência de Capitu – seria a semelhança entre Escobar e Ezequiel mera coincidência? O leitor julgará.
Essa adaptação tem um tom sombrio e sério, com alguns poucos momentos de humor – e nisso foi fundamental a arte de Mário Cau, que, nas cenas onde Bento aparece sozinho e rememorando, os tons são escuros, sombrios, como se o desenhista tivesse desenhado com giz branco sobre papel preto, traduzindo o estado de espírito atual do narrador; e, nos acontecimentos principais, Cau adota o estilo preto e branco, em linha-clara, sem hachuras, mas com muito nanquim. Houve grande detalhismo no retrato dos acontecimentos, alternando páginas com muitos quadros, páginas inteiras e páginas duplas – mas tudo em um desenho limpo e que não exige demais dos olhos do leitor. Houve preocupação com a reconstituição da época do romance. Houve preocupação com a caracterização visual de cada personagem, com a aparência combinando com sua personalidade; houve preocupação com a adequação das expressões faciais dos personagens para cada situação – inclusive nas traduções dos sentimentos de Bentinho, em todas as situações, tanto quando está perto de Capitu, como nos rancores para com o “filho bastardo” Ezequiel. Houve preocupação na alternância constante de planos, indo constantemente dos planos gerais para os planos fechados – são constantes os close-ups nos rostos ou em pequenos detalhes do rosto de cada personagem. Claro, só assim para conseguir representar e ressaltar, numa perfeita forma pictórica, os “olhos de ressaca” de Capitu.
Houve preocupação até mesmo com o envelhecimento dos personagens, com suas alterações físicas e psicológicas com o passar dos anos.
Também foi um acerto a capa não trazer ilustrações frontais. Apesar do tom de não atração de potenciais leitores, a aparência de um antigo alfarrábio já entrega o tom a ser adotado no livro. Houve mais preocupação com a obra em si do que com o marketing.
DOM CASMURRO teria alcançado essa primazia em sua adaptação não apenas pelo roteiro exemplar de Greco ou da arte espetacular de Cau, mas também por não ter sido limitado a uma quantidade pré-determinada de páginas. Editoras que investem em adaptações literárias para HQ geralmente impõem limites aos quadrinhistas – seja qual for a obra, o número de páginas não pode passar, geralmente, de cem páginas. Como DOM CASMURRO teve 236, então a Devir não impôs um limite, deu liberdade às partes envolvidas para fazer uma adaptação perfeita, não importando quanto papel tenha que gastar. O resultado foi uma HQ que traduz, à beira da perfeição, o romance machadiano, em tom de perfeito drama.
DOM CASMURRO de Greco e Cau, desse modo, figura, como adaptação literária, ao lado de outras obras que conseguiram aclamação da crítica por suas qualidades artísticas, e hoje são altamente celebradas. Como as de O Alienista, também de Machado de Assis, e Dois Irmãos, de Milton Hatoun, ambas pelos irmãos Fábio Moon e Gabriel Bá; como as versões de O Guarani, de José de Alencar – as duas mais lembradas são as de André Le Blanc, para a EBAL, e a de Ivan Jaf e Luis Gê, para a Editora Ática.
O que não falta no mercado brasileiro são adaptações para HQ das obras de Machado de Assis – só O Alienista já teve cinco, se não estou enganado. Mas DOM CASMURRO por Greco e Cau praticamente garantiu um primeiro lugar em um possível ranking de adaptações machadianas. Digo, não sei dizer quanto às outras adaptações disponíveis no mercado, mas podemos dizer que a versão de Greco e Cau já é a melhor até o momento. E é possível que venha mais nos próximos anos.
DOM CASMURRO HQ ainda tem prefácio do jornalista Paulo Ramos, e texto de orelha de Nailor Marques Jr. Completo com breves biografias e retratos dos autores (até isso Mário Cau se preocupou em fazer: retratar a si e seu colega como se estivessem no século XIX!).
Hoje, o livro se encontra esgotado – já foi retirado, inclusive, do catálogo geral no site da Devir. Mas ainda é possível encontrar exemplares nas livrarias e gibiterias, físicas e virtuais. E, atualmente, não é difícil encontrar a obra nas bibliotecas, principalmente as escolares – já que foi o governo quem distribuiu os pacotes em 2014. Claro, se os exemplares estiverem bem cuidados.
Mas também não deixem de ler o livro original. Ler DOM CASMURRO no original textual, com estilo rebuscado e tudo, já pode ser visto como um ritual de passagem da infância para a vida adulta. Ainda mais que esse livro ainda é recomendado para vestibulares. Seria melhor se a pessoa lesse DOM CASMURRO de forma espontânea – mas na forma de HQ, poderia valer como uma leitura da obra?

PARA ENCERRAR...
Deixo aos leitores que ficaram até o fim mais páginas inéditas de minha HQ folhetinesca, O Açougueiro. Hoje, são quatro páginas – e tive de acordar cedo três dias esta semana para trabalhar nelas. O resto do dia foi “alugado” para prestar favores a familiares. Não daria para encerrar 2016 sem deixar aos leitores mais páginas de minha HQ tão aclamada – digo, a julgar pelas críticas positivas que recebi via redes sociais.
E em 2017 a obra continua, enquanto o Estúdio Rafelipe ainda estiver ativo.
Este ano ainda vai ter postagem no Estúdio Rafelipe, antes do encerramento de um ano tão difícil quanto foi 2016. E, certamente, leremos muito mais – e farei meus 17 leitores lerem.
Fiquem conosco em 2017!

Até mais!

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