quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Livro: CONCERTO CAMPESTRE

Olá.
Já faz algum tempo que não resenho livros... mais de quinze dias, creio eu. Talvez por conta dos últimos acontecimentos – Olimpíadas, Impeachment, sentimentos de revolta por parte de meus contatos – e tudo isso me enche de mau humor e de letargia. Vocês, leitores, não ficaram indignados com minha última postagem sobre política, ficaram? Posso começar o assunto de hoje? Isso é um sim? Ah.
Então, hoje vamos espantar a letargia, falando de livro. De romance. De romance de fundo histórico ambientado no Rio Grande do Sul. Vamos trazer de novo aos holofotes o escritor Luiz Antonio de Assis Brasil, um especialista no gênero.
Vamos hoje falar de CONCERTO CAMPESTRE.

O LIVRO
CONCERTO CAMPESTRE, hoje o livro mais lembrado de Assis Brasil – muito por conta da adaptação do mesmo para cinema – foi publicado pela primeira vez em 1997, pela editora L&PM, atual editora das obras do escritor. A capa acima é da primeira edição, com ilustração do cartunista Caulos – e com essa ilustração permanece nas edições posteriores.
O romance, ao contrário dos dois outros que resenhei aqui no blog – Cães da Província e Videiras de Cristal – não se serve de fatos reais para a construção ficcional, ou melhor, só um pouco. CONCERTO CAMPESTRE se utiliza de um contexto histórico conhecido pela historiografia e de uma história lendária para a condução do enredo, além de carregar um pouco da experiência de vida do autor – o motor do enredo é a música clássica, e Luiz Antonio de Assis Brasil já havia sido músico, tendo tocado na Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (OSPA) como violoncelista, nos anos 1970, antes de abraçar a literatura.
Outro motor do enredo ele relata em uma nota no posfácio da obra:
“A história da moça abandonada no boqueirão me foi contada por uma amiga, a escritora Hilda Simões Lopes, e aconteceu no século passado [século XIX], nos campos de sua família. É, portanto, uma ‘história real’, o que lhe dá certa nota picante; mas aqui, como em todas as realidades, a fantasia ocupa o lugar do trivial e do desconhecido – e isso é apenas uma homenagem à Literatura. (L.A. de A.B.)” (in: Concerto Campestre – L&PM, 1997, p. 175).
CONCERTO CAMPESTRE ganhou ainda mais notoriedade após a adaptação para cinema, dirigida por Henrique de Freitas Lima em 2004. Deste falamos depois.
A narrativa de CONCERTO CAMPESTRE é conduzida fazendo uso do insólito, do inesperado, do suspense e do bucolismo (forma de poesia que valoriza a vida pastoril), conduzido suavemente como uma valsa ecoando na solidão do pampa, num enredo que envolve preconceitos, paixões, violência e termina num final surpreendente. Além disso, é um livro que se lê em uma só sentada: a primeira edição tem 176 páginas, sem contar capa, e só sete capítulos. Só o que pode assustar o leitor são os parágrafos contínuos, intermináveis, e quase sem travessões para indicar os diálogos. Fora isso, o livro de narrativa não-linear, com idas e vindas constantes de um ponto do tempo a outro, ritmo de uma ópera e revelações surpreendentes ao fim de cada capítulo, é agradável.

O ENREDO DA ÓPERA
A história de CONCERTO CAMPESTRE se passa na segunda metade do século XIX, no interior do Rio Grande do Sul, na vila de São Vicente, à beira do Rio Santa Maria. Ali, está a estância charqueadora (fazenda de criação de gado e produção de carne-seca para comércio) pertencente ao conservador e autoritário Major Antônio Eleutério Fontes, homem de passado rude que atuara na Guerra dos Farrapos. Ali, ele vive com a família, composta pela esposa, a ainda mais conservadora D. Brígida, três filhos homens, dois netos e uma filha temporã, Clara Vitória.
Apesar do conservadorismo e dos códigos morais hoje tacanhos, que ele procura preservar a todo custo, o Major Eleutério cultiva uma excentricidade, que podemos tomar como um sinal de modernidade, naquele local ermo e praticamente longe de outros sinais de civilização: uma orquestra particular, a Lira Santa Cecília.
Começou quando o Major encontrou dois índios missioneiros e andarilhos tocando seus instrumentos, e, após uma desconfiança inicial, praticamente gostou do que viu e ouviu, contratando os dois índios para trabalhar na estância, e, claro, tocar de vez em quando para ele. Naquela época, música, de acordo com a moral dos estancieiros, era coisa malvista, coisa de gente de má vida – bêbados e prostitutas – e aceitável apenas dentro das igrejas, por isso D. Brígida, principalmente, símbolo da mentalidade arcaica que se contrapõe ao sinal de modernidade do Major, desaprova a atitude inicial do marido, e o que vem depois...
A notícia de que o Major estava admitindo músicos em sua estância se espalha, e logo outros músicos procuram trabalho na estância. A coisa, no entanto, foge um pouco do controle, pois a maioria desses músicos era de andarilhos e vagabundos – e os índios foram embora, ou pela natureza nômade ou por causa do preconceito dos outros músicos – e então, por sugestão do Vigário da Paróquia de São Vicente – um padre dividido entre o conservadorismo e a modernidade, já que, apesar de se opor às relações amorosas “modernas”, costuma consultar um termômetro para avaliar o tempo – o Major resolve organizar os músicos em uma orquestra.
Para colocar ordem nos músicos da fazenda, o Vigário recomenda ao Major o musico conhecido apenas como Maestro. O mulato, nascido em Minas Gerais, teve uma vida de verdadeiras aventuras, entre empregos como músico em igrejas e no exército, e convivendo com gente “de má fama”, sempre acompanhado de seu bandolim, que ele dedilha nas horas de folga. O Maestro, pago para se dedicar exclusivamente à orquestra, e que ganhou inclusive seu próprio quarto, coloca ordem na casa: organiza os músicos em uma orquestra respeitável, com instrumentos de cordas e metais (que o próprio Major importa), inclusive trazendo músicos de Porto Alegre. Entre eles, o rabequista veterano conhecido como Rossini, por conta de seu gosto por ópera, talentoso e erudito, e que se torna o grande amigo e confidente do Maestro.
Mas o Maestro não é necessariamente um modelo de bom comportamento: apesar das recomendações do vigário e do Major, em uma noite, o mulato seduz uma cozinheira da estância. O Maestro, após ser denunciado, leva uma reprimenda do Major, que, por via das dúvidas, despede a cozinheira.
A Lira Santa Cecília logo se organiza, tocando melodias suaves e agradáveis em festas, velórios ou apenas para o deleite do Major, chamando a atenção inclusive dos amigos dele. Um deles faz questão que a Lira toque em seu velório, como um último desejo. Entre um ensaio e outro, o Maestro acaba chamando a atenção da adolescente Clara Vitória, então na flor da virgindade e da pureza, e em idade de casar – tanto que, por imposição da mãe, passa boa parte do tempo confeccionando seu enxoval, embora seu real desejo seja o de aprender a ler e escrever.
A moça se apaixona pelo Maestro, mas inicialmente o músico a rechaça; mas, pouco a pouco, o Maestro começa a corresponder à afeição da garota. E ambos começam a viver uma relação amorosa proibida e secreta. O Maestro chega a dedicar a Clara Vitória uma composição. E a garota, entre um encontro furtivo e outro no quarto do Maestro, acaba engravidando do mulato.
A gravidez ficou escondida o quanto foi possível. Enquanto isso, D. Brígida, que acha a organização da orquestra uma perda de tempo e preocupada com a posição social da família, tenta arranjar o casamento de Clara Vitória com Silvestre Pimentel, sobrinho e herdeiro do Barão de Três Rios, dono de uma estância vizinha. Vive arranjando encontros entre os dois, sem desconfiar que a filha ama outro, claro. Enquanto isso, Silvestre Pimentel vai adiando a data do casamento – nesse meio tempo, seu tio falece.
Mas não demora para que D. Brígida descubra a gravidez da filha. O primeiro a saber do assunto, mediante confissão, foi o Vigário. Felizmente, quando a gravidez de Clara Vitória vem à tona, a família imagina que o responsável foi Silvestre Pimentel, já que, em uma ocasião, os dois haviam saído sozinhos ao pomar, mas sob os olhares de uma criada. Mas, infelizmente, os inocentes acabam pagando o pato: o Major tenta matar Silvestre Pimentel, mas fracassa. Já quanto a Clara Vitória, leva bofetadas da mãe e o pai acaba a renegando, condenando-a a viver em uma casa abandonada dentro do mato. Essa casa era tida como mal-assombrada, e no local então só entravam alguns escravos para colher cachos de uvas de uma parreira próxima. O acesso à floresta é cortado e vigiado. Em outro acesso de loucura, o Major despede a Lira Santa Cecília, e o Maestro, Rossini e os outros músicos vão para Porto Alegre.
Com o passar do tempo, todos passam por uma degradação moral. O Major vai perdendo a razão, e sua estância, agora administrada pelos filhos mais velhos, passa a ser evitada por todos, inclusive pelo Vigário, depois do que o Major fez a Clara Vitória; a filha, por sua vez, começa a se acostumar com a solidão do lugar ermo, cujo contato com o mundo passa a ser através do capataz da fazenda, que lhe traz comida dia sim dia não, e da parteira – Clara Vitória tem sua filha ali na tapera, e a menina é levada para ser amamentada por uma ama da estância; e o Maestro, por sua vez, vai padecendo de saudades de sua amada, e leva uma vida indisciplinada em seu novo emprego. Está decidido a voltar para a estância e resgatar Clara Vitória.
Afinal, depois de algum tempo, ele consegue realizar seu intento: levando a Lira Santa Cecília, o Maestro retorna, e é recebido com alegria pelo Major, que solicita uma apresentação. Porém, como nenhum dos amigos do Major quer comparecer ao concerto, o homem obriga a criadagem a assistir a apresentação. E os acontecimentos que se seguem são os mais insólitos, envolvendo uma morte e uma inesperada chuva de sangue, conduzindo ao final de uma ópera... com final trágico porém allegro.
Luiz Antonio de Assis Brasil conduz uma ópera sul-riograndense, com influência das poesias bucólicas do poeta romano Virgílio e traduzindo em palavras os sentimentos de quem está preso ao campo em todos os sentidos: desde o espaço geográfico até as convicções morais. Conflito entre modernidade e conservadorismo, até mesmo na forma de amar. A narrativa, apesar da linguagem erudita, prende o leitor até o fim, depois que ele se acostuma com a forma do texto.
CONCERTO CAMPESTRE pode ser encontrado com facilidade nas bibliotecas e em algumas livrarias. Disponível também nos formatos pocket e e-book.

PARA ENCERRAR...
...vamos com minha HQ folhetinesca, O Açougueiro, a qual faz tempo que eu não trabalhava. Até a produção desta HQ o mau humor e a letargia afetaram. Não: foram os segundos que afetaram o primeiro – estou lutando para superar a letargia e o mau humor para dar o devido prosseguimento à história. Quanto ao que vamos fazer com ela, se vai ser publicada em livro físico ou não, bem, isso vemos mais tarde. Perdoem se nestas páginas eu não tive o devido capricho...
Na próxima postagem: CONCERTO CAMPESTRE, o filme.

Até mais!

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