quarta-feira, 6 de maio de 2015

XIRU LAUTÉRIO - O GINETE - estendendo o sofrimento do vivente...

Olá.
Da viagem anual a Santa Maria, RS, trago novidades, como todo ano. A primeira foi o novo número da Quadrante X, do Núcleo de Quadrinhistas de Santa Maria – Quadrinhos S. A., que já resenhei anteriormente. A outra, de que vou falar agora, é de um de meus mestres e ídolos quadrinhísticos brasileiros, o qual venho dedicando páginas há muito tempo, neste blog.
Jorge Ubiratã da Silva Lopes, o Byrata, lançou recentemente seu mais recente álbum, XIRÚ LAUTÉRIO – O GINETE, continuando a saga do gauchão que lhe deu projeção nacional e lhe valeu o título de Mestre do Quadrinho Nacional do Prêmio Ângelo Agostini, em 2014.

Vamos recordar rapidinho: XIRÚ LAUTÉRIO estreou nas tiras de jornal em 1975, e ganhou seu primeiro álbum em 1978. Depois, ganhou tiras no jornal A Razão, de Santa Maria, em 1986. Mas foi no início do século XXI que o gauchão ganhou projeção nacional, com a publicação de álbuns inéditos, ou não tão inéditos. Em 2003, Byrata iniciou a série Xirú Lautério e os Dinossauros, publicada em capítulos na revista – então fanzine – Quadrante X, do Quadrinhos S. A.. Essa série foi compilada em álbum em 2007; em 2010, Byrata completa a saga dos dinossauros no segundo álbum, Xirú Lautério e os Dinossauros II, mostrando como o Xirú se livrou de uma encrenca envolvendo seres pré-históricos, lida campeira e exploração mercantil. No meio tempo, em 2009, Xirú faz um voo mitológico e viagens temporais em Xirú Lautério e Os Centauros.
Em 2012, inicia-se uma “trilogia” peculiar do Xirú Lautério. Aliás, não dá mais para chamar de trilogia – já explico por quê. No referido ano, Byrata compila a série de tiras de 1986 no álbum XirúLautério Contra a Morte. Em 2013, ele tira da gaveta os originais do que seria a continuação da aventura, que não tinha sido publicada até então, e dá à luz Xirú Lautério – Tigre N’água – parte 1. Por isso a trilogia seria peculiar: a primeira parte da saga havia sido publicada; a segunda, ia ser publicada e ficou na gaveta; e a terceira nem tinha saído da prancheta – até agora.
Porém, houve uma mudança nos planos do autor: Byrata resolveu não encerrar a saga de Lautério contra a morte em três álbuns. Resolveu estender um pouco mais o sofrimento de Lautério Alves, o personagem, que se encontra numa situação atípica. XIRÚ LAUTÉRIO – O GINETE, lançado neste ano de 2015 pela editora Rio das Letras – que publicou todos os álbuns do autor desde Os Dinossauros II – é parte, então, do que será uma tetralogia. Pelo que entendi, a saga será encerrada no próximo e vindouro álbum. Isto é, se Byrata não mudar os planos até lá.
A justificativa de Byrata, no prefácio do álbum, é que a saga ainda tem o objetivo de resgatar a história do Rio Jaguari, no centro do estado do Rio Grande do Sul, e ligar a trajetória do Xirú ao próprio rio. Algo semelhante ao que ele fez em Os Dinossauros II. Mas o autor preferiu retirar o subtítulo Tigre N’água – parte 2, dando autonomia ao novo álbum – e, olhando bem, a trama de O GINETE não tem forte ligação com o tema principal – o Rio Jaguari – então, faz sentido a retirada do subtítulo.
Ah: O GINETE traz não apenas uma, mas duas histórias longas do Xirú, em suas 36 páginas (sem contar a capa cartonada). Mas vamos por partes.
Bueno. Já falei diversas vezes do Xirú Lautério, um dos últimos gaúchos tradicionalistas, da lida campeira mesmo, de bota e bombacha, que vagam pelos pampas, reais e imaginários, de a cavalo e revólver na cintura. Vamos recordar: em Contra a Morte, primeira parte da saga, Xirú tem um encontro com a dita-cuja, a “indesejada das gentes”, cai e fica preso em um precipício e salva-se graças a um grande bando de corvos, que ele junta em um grande monte, num momento de raiva, e o suspende pelos ares. Em Tigre N’água, Xirú sofre um acidente enquanto sobrevoava o Rio Jaguari: ele acaba “trombando” com um avião. Acaba caindo no rio, salvo por um pescador, mas perde quase tudo: as pilchas (só restando-lhes a bombacha esfarrapada), a memória e o próprio nome. Passa a ser chamado de “Recavém” pela comunidade do Passo do Gentil, na margem do Rio Jaguari. Recentemente, conseguiu recuperar o chapéu. E o pior: a Morte ainda tem planos para ele.
Bueno. Tigre N’água terminou no momento em que o Xirú, atendendo um instinto, começa a corcovear um cavalo xucro que estava sendo conduzido por um fazendeiro de passagem. Não gostando do que estava vendo, o fazendeiro Medonho prepara-se para laçar Recavém com cavalo e tudo. É aí que começa O GINETE.
Medonho, com uma armada de laço, consegue pegar o cavalo, mas o Xirú “Recavém” consegue escapar, apesar de ter sido derrubado, no meio da poeira erguida por sua exibição. Xirú sai inteiro da polvadeira, mas o cavalo, estrangulado pelo laço, morre. Medonho tenta investir contra o Xirú, acusando-o pela morte do cavalo, mas algo o faz parar – será que ele reconheceu o Xirú de outros tempos? Mas o que o faz desistir e ir embora é ouvir que o ginete agora se chama Recavém. E decide deixar a coisa como está, deixando o Xirú fazer o que quiser com os restos do cavalo.
Pouco depois, as crianças da região, voltando da escola, reúnem-se, à noite, ao redor da fogueira, para ouvir um causo contado pelo Seu Gentil, o velho pescador que tirou Recavém do rio e o acolheu. Gentil conta, então, um “causo” macabro: uma reunião entre a Morte e o Diabo.
Se em Contra a Morte a “indesejada das gentes” é representada como um esqueleto humano nu, armado de foice, Byrata, em O GINETE, resolveu vesti-la com a já tradicional capa com a qual ela vem sendo representada na iconografia tradicional. Já o Diabo é representado pilchado, como um gaúcho de aparência dissimulada e traiçoeira. Afinal, não dizem que o “inimigo” pode assumir diversas formas, se disfarçar da maneira que desejar? Para um álbum gaúcho, de quadrinhos “made in” Rio Grande do Sul, nada mais apropriado que vestir o “excomungado” como um velho gaúcho de aparência perversa.
Bueno. O motivo da reunião entre a Morte e o Diabo: a “indesejada” pede ajuda ao “coisa ruim” para dar cabo do Xirú Lautério. A reunião se dá nos domínios do “tinhoso”, cheio de gente sofrendo e até servindo como cadeira. A Morte fica enojada, enquanto o Diabo esbanja humor negro. Seria o causo de Gentil uma premonição do que virá a seguir no decorrer da aventura? Só o próximo álbum vai dizer.
Bueno. Em 2014, Byrata participou, com uma história inédita do Xirú Lautério, do álbum Edição de Risco 2, coletânea de 32 cartunistas lançada pela Grafar – Grafistas Associados do Rio Grande do Sul, principal associação dos cartunistas gaúchos. Pois, em O GINETE, Byrata resolveu disponibilizar, como bônus aos leitores, a narrativa publicada na Edição de Risco: Carro Forte. É a segunda história longa do álbum, e inédita, de todo modo. Nessa pequena narrativa, descolada da saga principal – pode ser um acontecimento do passado, ou do futuro, do Xirú Lautério, antes ou após a saga da morte – o gauchão primeiro aceita fazer um bico para um cidadão, limpando seu jardim em troca de um pagamento, duramente negociado; depois, em um ponto de ônibus, Xirú, solicitando uma carona até uma pousada na cidade, embarca em um carro-forte, dirigido por um estranho grupo de homens mascarados – a caminho de um assalto a banco, o qual Xirú não presencia, mas ouve os diálogos dentro do veículo. Se ele reagirá? Só lendo.
Bueno. De todo modo, O GINETE, por conta dos rumos tomados na saga, é o capítulo mais fraco da agora – podemos chamar assim – tetralogia. Até porque o Xirú “Recavém” Lautério não tem parte ativa na segunda metade da primeira história. Só podemos esperar como vai terminar a confusão em que se meteu, se ele vai recuperar a memória perdida, e se vai escapar das artimanhas da Morte e do Diabo. Podemos imaginar que sim, ele conseguiu escapar, dado que os acontecimentos da tetralogia são citados rapidamente em Os Centauros, apreendendo que isso tudo aconteceu numa aventura passada do Xirú. Mas o importante, então, é: como?
No mais, os desenhos de Byrata deixam transparecer a transição de estilos entre Contra a Morte e o presente álbum. Do traço mais solto e arredondado de Contra a Morte, para o estilo atual, mais cheio de linhas retas e hachuras, e mais econômico, observado desde Os Dinossauros II. Mas continua a quadrinização à moda “europeia”, os desenhos fechados dentro dos requadros, com os quadros formato tira dispostos em “quatro linhas” de quadrinhos, às vezes seis “linhas”, às vezes interrompida por um quadro grande que quebra a hierarquia. E os balões de texto, colocados por computador, às vezes “encavalados” sobre os requadros.
E ainda ficaram perguntas em aberto desde Tigre N’água: teria o Xirú Lautério caído no Rio Jaguari por causa do choque com o avião ou por causa do tiro desferido por um misterioso personagem escondido no mato? Para onde foi o piloto do avião, que o Recavém encontra de modo atípico? E o que o Diabo está preparando para o Xirú? Será que o gauchão escapará da Morte, não apenas física como também simbólica – do gaúcho campeiro do “sistema antigo”?
Vamos torcer para que as forças do universo possibilitem que Byrata conclua a saga e dê todas as respostas esperadas. Enquanto isso, curtamos o álbum, que esteve em pré-venda na Feira do Livro de Santa Maria, RS, e foi lançado oficialmente no último dia 5 de maio. O GINETE tem prefácio do colega cartunista Augusto Franke Bier.
Preço de capa? R$ 15,00. Depois da Feira, procurem este, e outros álbuns do Xirú, com o próprio Byrata (byrata@hotmail.com) ou entre em contato com a editora Rio das Letras (www.riodasletras.com.br).
E, no mais, era isso.
Para encerrar, como de costume quando resenho os álbuns do Byrata, costumo colocar uma ilustração especial do meu personagem gauchesco, o Teixeirão. Já que falamos em Rio Jaguari, a ilustração de hoje remete a uma atividade bem comum dos fins de semana, a pescaria no rio – e em companhia das crianças. Seja com vara ou com a linha de pesca em uma vareta, ainda se pesca nos rios do Rio Grande. E, para que esse passatempo não se perca, é necessário, como todos devem saber, evitar a poluição dos rios e mananciais.
E a gente agora fica no aguardo do próximo capítulo das aventuras do Xirú Lautério. Que o Grande Desenhista do Universo permita que leiamos a conclusão dessa saga!
Até mais!

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