sábado, 17 de novembro de 2012

DRAGONESA - ela é ou não é? Decidam

Olá.

Hoje, volto a falar de quadrinhos. Depois de duas semanas particularmente movimentadas, que alteraram muitos planos que eu tinha. Agora, nada há de atrapalhar este: resenhar aqui outra revista da histórica editora Trama.
Para quem leu as postagens anteriores, sabe que a Trama teve muita importância na história dos quadrinhos brasileiros do final dos anos 90 do século XX. Com sua divisão de quadrinhos capitaneada pelo incomparável Marcelo Cassaro, a Trama – posteriormente Talismã – que começou editando a não menos histórica revista de RPG Dragão Brasil, deu grande esperança ao artista brasileiro, que viu o seu mercado de quadrinhos praticamente decair durante os anos 90.

Calcada inicialmente nos quadrinhos da editora norte-americana Image Comics, e, a seguir, nos mangás japoneses, a linha de quadrinhos da Trama deu à luz diversas séries que não podem ficar de fora a qualquer referência sobre o quadrinho nacional. Séries como Godless, U.F.O. Team, Capitão Ninja, Blue Fighter, Lua dos Dragões e Holy Avenger, e one-shots (edições únicas) como Dragonesa e Predakonn. Boa parte delas escrita pelo próprio Cassaro.
Pois hoje escolhi falar sobre DRAGONESA.
Esta história única, provavelmente sem pretensões de se tornar uma série, foi lançada por volta de 1998, escrita por Cassaro e conta com a arte de Evandro Gregório – ou como ele era chamado na época.
Sim. Evandro Gregório, que hoje atende pelo nome de Greg Tocchini – seu nome completo é Evandro Tocchini Gregório – hoje é um dos sortudos brasileiros que desenha para o mercado norte-americano. Nascido em 1979, ele começou sua carreira em 1995, produzindo ilustrações e HQs para a Dragão Brasil. Antes de Dragonesa, sua primeira história longa, ele desenhou as histórias curtas que acompanham Godless e U.F.O. Team. Também produziu o especial Anjos Caídos, pela mesma Trama. Em 2002, ele começou a trabalhar para o mercado norte-americano, adotando o nome “americanizado”: primeiro como assistente do conterrâneo Ivan Reis na série Lady Death, da Chaos Comics, e, a seguir, foi contratado, e se tornou uma das grandes atrações da editora Crossgen, para a qual desenhou The First, Meridian, Route 666 e a série Demon Wars. Em 2004, começou a desenhar para a Marvel Comics, desenhando a série X-Men Sem Limites e Thor- O Filho de Asgard, com roteiro de Akira Yoshida, que chamou a atenção do público e da crítica para seu traço detalhista e estilizado. Para a mesma editora, em 2005, desenhou a série 1602 – Novo Mundo (roteiro de Greg Park), continuação da célebre série de Neil Gaiman, Andy Kubert e Richard Isanove. Já para a DC Comics, Tocchini desenhou séries importantes, como Íon (2006) e A Busca por Ray Palmer (2007). Também já produziu, entre outras obras, uma versão em ilustrada do poema épico A Odisseia, de Homero, em 2008.
Dá pra conferir uma amostra de seu trabalho no blog próprio dele: http://gregtocchini.blogspot.com.br/.
Bão. Em DRAGONESA, o traço de Gregório/Tocchini ainda era diferente do atual. Um traço tipo comics, um tanto feioso e em certos momentos assustador com seus rostos deformados e personagens cinzentos, porém detalhado, cheio de sombras e preto, estilizado, noir em suma. Um traço adequado para quadrinhos de terror, de tão claustrofóbica e até certo momento melancólica.
E é como uma HQ de terror que DRAGONESA se apresenta. Se a arte, a rigor, não foi a mais perfeita ou adequada, o roteiro surpreende. Não é à toa que Marcelo Cassaro é um dos maiores roteiristas de HQ do Brasil, se não o melhor: apesar de DRAGONESA não ter grandes traços de humor, tem um roteiro bem-escrito, bons diálogos, uma trama que utiliza todos os elementos que coloca em cena (não como Alexandre Nagado fez em Blue Fighter, onde colocou muitos elementos na história e não usou todos) e com um final surpreendente. Mas não é, exatamente, uma HQ de terror, porque não se utilizam muitos daqueles elementos que compõem o gênero, ou estes são usados de forma sugerida e indireta. Assusta mais pelo traço de Gregório do que pela violência do roteiro.
Bão. A trama não se utiliza de elementos já vistos antes em outra HQ (como em Blue Fighter) ou sistema de RPG, tal como as outras séries (como U.F.O. Team ou Godless). A primeira aparição de Helena Dragonheart, a personagem principal, se deu numa história curta publicada na revista Dragão Brasil número 27, de maio de 1997, escrita pelo mesmo Cassaro e desenhada pelo mesmo Gregório, letreirada por Miriam Tomi.
Helena Dragonheart é uma mulher linda, milionária e influente, cujo principal passatempo é colecionar artefatos antigos. No início de DRAGONESA, a magnata, após obter uma peça rara e muito procurada – uma estatueta de um grifo (animal mitológico, metade águia metade leão) que teria sido feita por elfos – telefona para um jornalista, Gregory Wander, para contar a novidade. Os diálogos sugerem que a relação entre Helena e Gregory vai muito além de uma simples relação profissional, uma vez que Gregory é o jornalista policial que sempre obtém entrevistas exclusivas com Helena, em troca de favores.
Bem nesse momento, o prédio onde Helena mora é invadido por um estranho grupo, que se apresenta como os Cavaleiros Templários, a famosa ordem histórica, que durante séculos caça demônios e monstros que possam ameaçar a humanidade. (Gente, se a reputação dos templários já está baixa nos dias que correm graças aos livros de Dan Brown e à série de jogos Assassin’s Creed, imagine em 1998). Esse grupo, que se passa por simples terroristas, aprisionam Helena, sob suspeita de que ela possa ser uma dragoa. O líder do grupo está convicto que a mulher seja mesmo o perigoso monstro mitológico disfarçado em humana – afinal, há muitas pistas para provar que ele tem razão: o sobrenome óbvio – Dragonheart, ou “coração de dragão” em inglês; o gosto por tesouros e jóias antigas, já que os dragões, geralmente são retratados protegendo grandes tesouros; a vaidade e a arrogância. No processo, Helena chega a ser violentada pelo grupo, sob os olhares de Gregory, que nesse momento está perto do prédio em um helicóptero. Porém, quando a querida peça de arte que foi ponto de partida da trama é quebrada, o jogo pode virar...
O final é surpreendente. Será que os templários estão cometendo um erro – estarão apenas molestando uma mulher inocente? Ou será que Helena é mesmo uma dragoa? Vale a leitura, ainda mais porque ela é rápida – a revista toda pode ser lida em menos de 10 minutos. Os quadros são grandes e dinâmicos, como as outras obras da Trama. Sem contar as assustadoras páginas pôsteres.
E, como brinde, a revista acompanha a história original publicada na Dragão Brasil, a primeira onde Helena Dragonheart aparece – e usando menos roupas – no momento em que está comprando a estatueta do grifo. E um pôster, nas páginas centrais, com a tapeçaria que decora a sala de troféus de Helena, cujo significado é explicado na historinha curta.
Atualmente, para encontrar essa pequena obra-prima, só procurando em sebos ou scans da internet. Vale a pena a leitura.
É pouco provável que DRAGONESA viesse a ser uma série, mas há muitos elementos presentes que favoreceriam uma continuidade, ou mesmo perguntas a serem respondidas apenas pela imaginação dos leitores.
Para encerrar, resolvi fazer uma pequena ilustração com Helena Dragonheart, colorida por computador. Talvez a ilustração mais fácil que já fiz. E, para garantir alguma fidelidade com o original (já que não sei desenhar lábios grossos) usei uma técnica que aprendi com um pequeno conto árabe de Malba Tahan: para esconder o nariz disforme do rei vaidoso, é só retratar o mesmo caçando tigres, e cobrir o nariz com a arma. Vocês entenderam?
Anunciando desde já que a próxima resenha dos gibis da Trama será cataclísmica: a série Lua dos Dragões já está na lista. Aguardem!
Até mais!

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