terça-feira, 12 de junho de 2012

Livro: O MUNDO DE DISNEY

Olá.

Hoje, vou falar de livro.
Este livro é um pouco antigo, foi lançado há mais de dez anos atrás. Mas se tem uma coisa que aprendi nesta vida é que, por mais velho e datado que possa ser um livro, ele ainda pode servir para alguma coisa. E não falo de usá-lo como apoio para um móvel capenga da sala. Falo que uma informação que conste em um livro desatualizado pode ser útil para pesquisas ou simplesmente para recortar as imagens.
Bão. Como eu disse, este livro foi lançado há mais de dez anos, mas ainda pode ser facilmente encontrado nas bancas de descontos de lojas e sebos. Estou falando de O MUNDO DE DISNEY, de Álvaro de Moya.

Desse autor eu já havia falado aqui no blog, um dos maiores especialistas em Histórias em Quadrinhos do Brasil; célebre organizador da 1ª Exposição Internacional de Quadrinhos, montada em São Paulo em 1951 e pioneira nos estudos “sérios” sobre os quadrinhos e sua função na cultura mundial; e autor de muitos livros de estudos sobre quadrinhos.
O MUNDO DE DISNEY foi publicado pela editora Geração Editorial em 1996. E, infelizmente, nunca ganhou uma edição revista e atualizada. Desse modo, Moya, neste livro, cobre toda a história do mundo Disney, do início até 1996. E nenhuma informação posterior.
Sim. Disney. O mundinho encantador concebido e levado a cabo por Walter Elias Disney, americano, que mais concebeu do que realmente criou seus personagens, mas se envolveu tanto com eles que seu nome não pode ser dissociado de figuras como Mickey Mouse, Pato Donald, Pateta, Branca de Neve... Disney colecionou admiradores e detratores desde que começou a produzir desenhos animados, na década de 20, até sua morte, em 1962, e além. Seus personagens, ou ao menos os quais o seu nome é associado, estão em toda parte: desenhos animados, revistas em quadrinhos, livrinhos de historinhas, livrinhos de inglês, camisetas, bonés, relógios... qualquer produto, que você pensar, pode ter uma figurinha Disney estampada. Não tem como escapar, ainda que seja produto pirateado ou original, lá está a assinatura de Disney ou os seus traços de desenho inconfundíveis para confirmar. Aah, sim: não esqueçam os parques de diversões. Ainda hoje é sonho de toda criança conhecer a DisneyWorld, em Orlando, na Flórida, EUA, ou as filiais na Europa e no Japão. Também ali, qualquer um pode entrar careca e sair com as famosas orelhas redondinhas do Mickey na cabeça.
Nem é preciso falar do Mickey, todo mundo conhece o famoso ratinho de orelhas pretas e redondinhas. Entrou na cultura pop mundial desde seu primeiro curta de animação oficial – Steamboat Willie, de 1938 – e nunca mais saiu. E tampouco do Pato Donald, o irritadiço pato de roupinha de marinheiro que, entre outras peripécias, já caçou tesouros, deu origem a uma cidade inteira e até fez turismo sexual na América do Sul (assistam ao filme Você Já Foi à Bahia?, de 1944, e vocês saberão a verdade sobre essa última parte). Também Disney foi responsável por criar as imagens “definitivas” das princesas e dos heróis das mais famosas historinhas infantis – Branca de Neve, Pinóquio, Cinderela, Bela Adormecida, Peter Pan, Pequena Sereia, Alladin... por mais que ilustradores de livros imaginem essas figuras de outro modo, sempre teremos em mente o modo como Disney e sua equipe os conceberam. É forte, hoje, o poder do cinema e da TV sobre os livros e a imaginação.
Mas é justamente isso que possibilitou a montagem deste gigantesco império multimídia: a imaginação sem limites de “tio” Walt Disney. Uma célebre frase dele é “nunca se deite para dormir, mas para sonhar”. Disney sempre soube tornar seus sonhos realidade. E o de milhares de crianças, desde os anos 30 do século XX, também. Ainda hoje, Disney também é um modelo de empreendedorismo.
Mas também há uma aura negra que cerca esse mundinho perfeito, onde tudo é colorido. Há quem deteste Disney, e já tenha se aproveitado dessa ojeriza para produzir sua própria arte. Mickey e seus amigos já foram esculachados e ridicularizados por diversos artistas do underground (incluindo Brasil – como não esquecer a célebre imagem desenhada por Angeli, publicada na revista Chiclete com Banana no. 1 [1985], onde o Pato Donald está prestes a ser atacado por um bando de punks? Por exemplo). Muitos ainda evocam o fato que Disney apenas assinava os trabalhos de outras pessoas, e que estas pessoas só tiveram o devido reconhecimento posteriormente, enquanto que “tio Walt” deitava e rolava nos louros do sucesso. Disney também já foi tachado como porta-voz do lado nocivo do estilo e vida norte-americano (o célebre American Way of Life), e o personagem Zé Carioca é a maior prova disso – puríssimo estereótipo do Brasil segundo os EUA quando surgiu. E também o próprio “tio Walt” colaborou com o período do Macarthismo dos EUA (o triste episódio em que muita gente foi perseguida sob acusação de servir ao comunismo soviético).
Mas também há um lado redentor no “tio Walt”: sabiam que ele foi um dos pioneiros dos documentários sobre a natureza?
Pois esses e outros fatos são contados por Álvaro de Moya neste volume generoso – tamanho 29 x 22,5 em média, 136 páginas em papel cuchê cartonado, capa dura – tido à época como o mais completo guia de referência para pesquisadores lançado no Brasil. Ou melhor, nem tão completo.
Mas o livro traz muitas informações sobre “tio Walt” e seu universo, escrito naquele estilo bem-humorado e fácil de entender que é a marca registrada de Álvaro de Moya. As informações apresentadas didaticamente, e com muitas piadas internas. E tudo naturalmente, ricamente ilustrado com fotos, desenhos recriações artísticas e charges de época.
O livro é uma grande biografia de Walt Disney, com fatos relacionados ao seu universo de personagens. Desde o início, com o nascimento de Disney em 1901, seus primeiros empregos até se estabelecer em Kansas City, onde começou a trabalhar como ilustrador e, junto com o irmão, Roy, e o amigo, o holandês Ub Iwerks, montou um estúdio de animação onde começaram a sair seus primeiros personagens.
Há poucas referências a seus primeiros trabalhos de animação, a série Alice Comedies e o personagem Oswald the Rabbit (cujos direitos foram tomados de Walt Disney em 1937 e retomados pela Disney recentemente); mas é ricamente descrito o modo como Mickey foi criado – o nome foi sugestão da esposa de Disney, Lillian, que era arte-finalista do estúdio antes de se casar com “tio” Walt. Aliás, sabiam que Steamboat Willie foi o terceiro curta animado de Mickey produzido por Disney? Os dois primeiros, Plane Crazy e Gallopin’ Gaucho, estrearam depois de Steamboat Willie porque eram mudos; a grande sacada de Disney, e que garantiu o sucesso do ratinho pelo resto da vida, foi animar seus desenhos com música. Esses dois desenhos depois seriam sonorizados e estrearam. Foi tudo no rastro do primeiro filme sonoro, The Jazz Singer, de 1927. Só para exemplificar uma grande característica do trabalho de Disney: na época de estréia, seus filmes frequentemente eram menosprezados pela crítica, e, como o tempo é o senhor da razão, seus filmes viravam clássicos. “Tio” Walt estava sempre à frente de seu tempo.
Enquanto vai contando fatos sobre o estúdio Disney, o método de trabalho de seus artistas, como se organizavam, os filmes resultantes de todo esse trabalho, etc., Moya também oferece aos seus leitores um panorama do mercado de animação dos EUA e do mundo entre os anos 30 e 70. Disney se sobressai a outros estúdios de animação porque, enquanto estes simplificam ao máximo as animações, às vezes repetindo posições e movimentos já usados dos personagens, os animadores de Disney não economizavam, faziam uso de full animation, davam aos personagens uma ampla gama de movimentos, e fizeram escola. Mais ainda: Disney dava uma grande liberdade aos seus desenhistas na hora de fazer os esboços, liberdade essa que acabava sublimada pela arte-final. E mais ainda: a música tinha importância fundamental nos filmes de Disney, a tal ponto que a animação só podia ser considerada perfeita se os movimentos dos bonecos estivessem perfeitamente sincronizados com a música.
Vários aspectos do mundo de Disney são abordados ainda: A criação do Pato Donald e o papel do desenhista Carl Barks nos quadrinhos desse personagem (incluindo a criação do Tio Patinhas, dos diversos coadjuvantes das aventuras do Pato e do desenvolvimento de tramas de aventura que influenciaram inclusive cineastas), mesmo sem ter assinado as mais de 500 histórias que desenvolveu com o próprio nome e sim o de Disney; a polêmica obra (publicada no Chile em 1971) de Ariel Dorfman e Armand Mattelart, Para Ler o Pato Donald, que relacionava as histórias de Diney à promoção do imperialismo norte-americano; os personagens de Disney sendo usados na propaganda americana da Segunda Guerra Mundial e a política de boa vizinhança com a América Latina (que resultou na criação do Zé Carioca); a greve dos animadores do estúdio de 1941; um breve perfil do primeiro parceiro de Disney nas animações, Ub Iwerks; a atuação de Walt Disney como informante do FBI durante o período do Macarthismo; os filmes com atores (incluindo clássicos como A Ilha do Tesouro, Se Meu Fusca Falasse e Mary Poppins); os filmes sobre a natureza produzidos pelo Estúdio, pioneiros dos documentários sobre a vida selvagem; a criação, em 1955, do Walt Disney World, o megacomplexo de parques de diversões, e sua extensão mais famosa, o Epcot Center; um breve perfil do período da Depressão Norte-Americana (1929-1933) – o qual o curta Os Três Porquinhos (1933) teve importância, pois sua música-tema serviu de hino contra a crise; falando em música, um breve capítulo sobre a importância desta nos filmes de animação do estúdio (bem como algumas curiosidades sobre os mesmos, já que Disney conseguiu tanto sucessos de bilheteria que se tornaram clássicos – como Branca de Neve, Pinóquio e Peter Pan – quanto fracassos que posteriormente foram reconhecidos como clássicos – como Dumbo e Fantasia – bem como sucessos moderados, mas igualmente clássicos – como A Bela Adormecida, 101 Dálmatas e Mogli); uma pequena explanação dos personagens Disney nos quadrinhos, inclusive no Brasil; as primeiras experiências de Disney na televisão; algumas considerações sobre a vida pessoal de “tio” Walt, incluindo os freqüentes desentendimentos com seus familiares, inclusive com o irmão “pé-no-chão” Roy; a morte de Walt, em 1962, os boatos de que seu corpo teria sido congelado (na verdade, foi cremado) e a continuidade dos negócios depois deste fato, que ficou nas mãos de Roy E. Disney, o sobrinho “idiota” de Walt, e seus colaboradores Frank G. Wells e Michael D. Eisner, que não apenas deram continuidade aos sonhos de “tio” Walt como fizeram a empresa crescer e se tornar uma das marcas mais valiosas da atualidade; e algumas das atividades posteriores do Estúdio até 1996 – naquele ano, chegou aos cinemas Toy Story, o primeiro filme de animação por computação gráfica, e O Corcunda de Notre Dame. Incluindo aqui filmes inovadores como Tron, A Bela e a Fera e O Rei Leão.
Como o livro não ganhou edição atualizada, ficaram de fora fatos posteriores, como os filmes produzidos após 1996, como Mulan, Hércules, A Nova Onda do Imperador, Lilo & Stitch, Tarzan e A Princesa e o Sapo; o investimento em grifes próprias de merchandising, como Princesas Disney, 101 Dálmatas e Marie (a gatinha do filme Aristogatas); o crescimento do setor de televisão (principalmente TV a cabo) a partir da compra da rede ABC, em 1995 (que hoje resultou nos atuais canais Disney Channel, Disney XD, Disney Playhouse e Disney Junior, estes últimos dedicados às produções infantis do estúdio, como era desde que Mickey apareceu); as estrelas que surgiram das produções Disney para TV (e futura gente problema), como Lindsay Lohan, Miley Cyrus e Zac Efron; as parcerias e a posterior compra do estúdio de animação Pixar, que resultou em filmes como Vida de Inseto, Procurando Nemo, sequências de Toy Story e Carros; e a compra da Marvel.
O livro ainda inclui cronologia resumida da vida de Disney e suas obras; índice remissivo; breve biografia do autor e posfácio do grande pesquisador de quadrinhos Claude Moliterni.
Para ter em casa, tanto para quem procura imagens de Disney quanto para quem pesquisa a história dos quadrinhos e da animação mundial. É um livro velho e desatualizado, mas não é de todo inútil. Ainda vale a pena adquirir um exemplar a preço baixo.
Para encerrar, já que falamos no mundo mágico de Disney, fiz uma ilustração especial. Chamo ela de Voo Imaginário, já que tem crianças voando em animais imaginários: um pássaro gigante, o Dumbo – o elefante voador eternizado por Disney – o Falkor do filme A História Sem Fim (numa versão meio pouco-a-ver-com-o-original) e um Pégaso – o mitológico cavalo voador que também apareceu em um filme de Disney, Hércules. Quantas vezes já fomos convidados a cavalgar nos cavalinhos da imaginação e dar vazão a seus sonhos? Quantas vezes recusamos?
Não foi à toa que Disney conseguiu dar vazão a seus sonhos. E pensar que tudo começou com um ratinho. Que não voava – no máximo, de avião.
Até mais!

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