segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

História das Histórias em Quadrinhos (2a. Edição) - 1a. Parte

Olá.
Conforme havia anunciado, estou publicando, novamente, aqui no Estúdio Rafelipe, a minha História das Histórias em Quadrinhos. Com as proximidades do Dia do Quadrinho Nacional (30 de janeiro), a História das HQ agora vem revista e atualizada com fatos até o ano de 2010. Com novas ilustrações também, e colorida, inclusive com informações sobre adaptações cinematográficas.
Como não seria cômodo nesse momento ficar apenas editando o texto original, estou fazendo uma republicação. Mas agora, englobando duas décadas por postagem, fazendo a sua publicação ficar mais curta.
Bem. Sem mais delongas, eis aí o meu trabalho mais monumental. Em nova edição!



INTRODUÇÃO
As Histórias em Quadrinhos são, inegavelmente, a arte mais fascinante e eficiente de todos os tempos. Desde o final do século XIX, as HQ seguem firmes como um dos principais veículos culturais e de comunicação, perdendo importância apenas para o cinema, a televisão e, atualmente, a Internet – e isso que um, às vezes, dependa de outro, ou tornam-se aliados: diversos personagens de HQ ganham outras mídias, aumentando sua popularidade.
Fazer uma história coerente e completa das HQ constitui um trabalho hercúleo, já que o campo de análise é vasto, e existem muitos e muitos trabalhos relevantes de serem citados – e vários outros vão surgindo, tornando difícil o trabalho de atualização de qualquer lista. Aqui, far-se-á um pequeno esforço, trazendo um apanhado com as obras mais fundamentais e/ou conhecidas. É parte de um universo vasto, mas é suficiente para conhecê-lo.
NOTA EXPLICATIVA: as datas referidas levam em conta o ano em que determinada HQ aparece ou é iniciada. Priorizar-se-ão, aqui, os personagens mais conhecidos, sempre que possível, e com uma pequena explicação de sua importância para a história das HQ – bem como informações sobre adaptações das HQ para o cinema e/ou outras mídias. Também, sempre que possível, os nomes dos personagens aparecem no original, acompanhados dos nomes como ficaram conhecidos no Brasil. Muitos dos personagens aqui referidos, principalmente no que concerne aos mangás, podem ser conhecidos apenas por especialistas na área, mas por sua importância, não pode-se deixar de referenciá-los, aqui. E, como de praxe, quando uma HQ tiver dois autores (o roteirista e o desenhista), o nome do roteirista aparecerá antes do nome do desenhista.
Nesse trabalho, também são usadas as seguintes convenções de cores: azul, para os fatos ocorridos e as HQ criadas nos EUA; verde, para as HQ européias; vermelha, para os fatos e criações da América do Sul; amarelo, para as HQ japonesas; e roxo, para citar as adaptações para cinema e/ou outras mídias das HQ referidas (levando mais em conta as adaptações produzidas no ocidente).

ORIGEM DAS HQA origem das HQ está no início da civilização humana. Nas inscrições rupestres das cavernas pré-históricas (como as de Lascaux, na França, e Altamira, na Espanha), nos baixos-relevos da Mesopotâmia, nos hieróglifos egípcios (século IV a. C.), nas tapeçarias medievais (como a Tapeçaria de Bayeux, da Inglaterra), nos estandartes chineses, nas vias-sacras e vitrais góticos (séculos V a XIII d. C.)... Nisso tudo, e muito mais, observa-se o princípio básico das HQ, ou seja, a preocupação constante de narrar acontecimentos através de desenhos sucessivos.
No século XIV, ilustrações européias introduzem os filactérios – faixas com palavras escritas junto à boca dos personagens – considerados a gênese dos balões. O primeiro exemplar de uma ilustração com um filactério teria sido datado de 1370 (a Tábua Protat, um pedaço de madeira onde um centurião romano, diante do Calvário, aponta um dedo para a cruz e declara: “Vere filius Dei erat iste” [sim, na verdade este homem era o filho de Deus]).
A invenção da imprensa, no século XV, e o aperfeiçoamento das técnicas de impressão de ilustrações, como a xilogravura e a litografia, constituem um impulso a mais. No século XIX, o texto passa a acompanhar sistematicamente o desenho – as ilustrações humorísticas já existiam nos periódicos europeus (jornais e revistas) da época. Dentre os exemplos mais célebres de publicações que ressaltavam ilustrações, estão: Le Magasin Pittoresque (surgido na França, em 1833), Punch (Inglaterra, 1841) e Harper’s Weekly (Estados Unidos, 1857).
No pioneirismo das HQ, há hoje quem coloque os japoneses como pioneiros, tirando assim a primazia dos europeus. É que, segundo alguns especialistas, existem rolos de pergaminho com histórias narradas através de textos e desenhos no Japão desde o século VIII – portanto, as HQ japonesas (mangá) seriam já muito antigas. Aliás, o termo mangá foi cunhado no século XIX pelo gravurista japonês Katsushita Hokusai, para denominar sua célebre série de gravuras, os Hokusai Mangá (imagens irrisórias de Hokusai), produzidas entre 1814 e 1849. Mangá é a junção dos termos japoneses manketsu (conto, história), e fashiko (ilustração), mas também pode ser traduzido como imagens irrisórias, engraçadas. O estilo dos mangás produzidos antes da década de 40, e publicados em periódicos (jornais e revistas), era diferente de como o conhecemos hoje, que só seria desenvolvido a partir do trabalho do mangaká (desenhista) Osamu Tezuka, na referida época.

PRECURSORES DAS HQ MODERNAS
O primeiro “modelo” das HQ como hoje as conhecemos, segundo especialistas, foram as chamadas Estampas de Épinal, desenvolvidas na França por Jean Charles Péllerin, a partir de 1820. De fato, a chamada literatura de estampas é o meio mais próximo das HQ modernas, com desenhos (divididos em quadros) e textos (em forma de legendas) usados para representar uma ação contínua, mas ao mesmo tempo com cortes de tempo e espaço na narrativa. Era a literatura aliada ao desenho, freqüentemente exibindo situações cômicas.
Além de Péllerin, consideram-se os primeiros autores de HQ – os primeiros a produzirem histórias com uma personagem fixa – os europeus:
• O suíço Rudolf Töpffer, com Sr. Vieux-Bois (1827);
• O alemão Wilhelm Busch, com Max und Moritz (Juca e Chico, 1865);
• O francês Christophe (Georges Colomb), com Família Fenouillard (1889).
O chamado período da pré-história das HQ, segundo especialistas, vai de 1820 a 1895.

PERÍODO INICIAL (1895 – 1909)
Os pesquisadores convencionaram tomar como marco inicial para uma história das HQ a aparição, em 1895, do Yellow Kid (Menino Amarelo) dentro da série de cartuns chamada Hogan’s Alley, criação do americano Richard Fenton Outcault para o jornal New York World, de propriedade de Joseph Pullitzer. Este trabalho é o primeiro a introduzir os balões com as falas dos personagens e a ação fragmentada (vários quadros, sem molduras, para indicar a sucessão dos episódios da história). A partir de 1895, portanto, as HQ, saindo dos álbuns ilustrados ou livros, passam a ser divulgados pelos veículos de comunicação em massa e, conseqüentemente, a se inserir no contexto da indústria cultural. E não é só isso: o Yellow Kid, devido à cor de seu camisolão, também origina o termo yellow journalism (no Brasil, o termo equivalente é imprensa marrom ou nanica) como sinônimo de imprensa sensacionalista (os jornais sensacionalistas utilizavam o recurso de publicar HQs nas edições dominicais com o objetivo de alavancar suas vendas), bem como a primeira disputa judicial envolvendo HQ, quando Outcault, em 1896, troca o World pelo New York Journal, de propriedade de William Randolph Hearst (rival de Pullitzer), levando seus personagens consigo.
A HQ em sua forma definitiva aparece em 1897, com Katzenjammer Kids (Os Sobrinhos do Capitão), de Rudolph Dirks, para o Journal. Nela aparecem onomatopéias, sinais gráficos e molduras em volta da ação. Assim como os personagens, inspirados no Max und Moritz de Busch, seriam considerados os precursores das chamadas kids strips (HQs com crianças como personagens principais), bem como de uma série de crianças terríveis das HQ.
Além desses fatos, podemos destacar, do presente período:
1902 – Nos EUA, Outcault cria outro personagem célebre: Buster Brown (Chiquinho);
• 1903 – Nos EUA, Upside Downs, do holandês Gustave Verbeck, trazia uma proposta gráfica inusitada que jamais foi repetida: para se ler o resto da história, bastava virar a página de cabeça para baixo; A. Piker Clerk, de Clare Briggs, no jornal Chicago American, é a primeira tentativa – mas mal sucedida – de uma tira diária de HQ (as HQ eram restritas aos suplementos dominicais até 1907);
• 1904 – Nos EUA, Dream of Rarebit Fiend (Sonhos de um Comilão), de Winsor McCay (sob o pseudônimo Silas), primeira série do autor onde é explorada a temática dos sonhos e o desenho surrealista;
• 1905 – Nos EUA, Little Nemo in Slumberland, de Winsor McCay, que, com seu desenho surrealista, enquadramentos panorâmicos, grandes perspectivas e jogos de cortes e sequências, prenuncia o cinema de vanguarda e, além disso, introduz o elemento da continuidade nas HQ (a situação apresentada sendo interrompida no momento crítico para continuar no capítulo seguinte);
Na França, surge a revista La Semaine de Suzette, dirigida ao público infantil feminino. Dentre as principais atrações da revista, está a personagem Bécassine, de Jacqueline Rivière e Joseph Porphyre Pinchon, considerada a primeira personagem feminina protagonista de uma HQ;1906 – Nos EUA, Kin-der-kids, uma das mais destacadas obras de Lyonel Feininger, célebre pintor de origem alemã (apesar de essa HQ ter sido produzida por um artista gráfico de prestígio, a crítica ignorou que as HQ poderiam ser uma forma de arte, preconceito que se perpetuaria até recentemente);
• 1907 – Nos EUA, Mutt e Jeff, de Bud Fisher, a mais bem-sucedida tentativa de tira diária de jornal, e considerada, assim, seu marco inaugural por muitos especialistas;
1908 – Na França, os Les Pieds Nickelés, do Louis Forton, são considerados os primeiros personagens não-infantis de HQ; Na Itália, aparece o periódico Corriere dei Piccoli, de onde saem alguns dos primeiros personagens de HQ daquele país. Dentre as atrações do Corriere, Bilbolbul, de Atilio Mussino;1909 – Nos EUA, Winsor McCay produz, a partir deste ano, desenhos animados baseados em criações suas. Uma de suas obras de animação mais conhecidas é Gertie, o Dinossauro.
PERÍODO DE ADAPTAÇÃO (1910 – 1928)
O sucesso das HQ leva ao controle dos direitos de publicação por corporações (syndicates), cuja principal função era centralizar e distribuir as histórias a jornais e revistas, inclusive para outros países. Desse modo, os EUA acabam firmando-se como o maior e principal país irradiador de HQ para todo o mundo. Nesse período, existiam duas correntes de artistas: os humoristas, que viam nas HQ apenas diversão e entretenimento, e os estudiosos, que pretendiam intelectualizá-los. A partir de 1920, o cinema passa a influenciar os comics, que passam a ter cortes rápidos, angulação variada e ação seriada dos episódios. Quatro gêneros ou tipos de personagens, cristalizados no período, sobressaíram-se e acabaram virando paradigmas da arte:
As crianças (kids strips), sejam elas travessas, caso de Sobrinhos do Capitão e Pinduca, ou induzindo o leitor à reflexão, como em Minduim e Mafalda;Os bichos (animal strips), em geral antropormofizados (com trejeitos e comportamento semelhante ao humano), caso de Krazy Kat, Mickey Mouse, Gato Félix e Pogo;As famílias (family strips), que também reproduzem um pouco das características da sociedade do período retratado, caso de Pafúncio e Marocas, Blondie e Ferdinando;
As garotas (girls strips), espécie de variação das family strips, mas centrados em garotas que buscavam o casamento, caso de Blondie (em sua fase inicial); algumas girls strips, no entanto, já mostravam também o início das conquistas femininas na sociedade, caso de Winnie Winkle e Brenda Starr.Algumas das obras e fatos mais marcantes do período:
1911 – Nos EUA, Krazy Kat, de George Herriman, uma das mais poéticas HQ já criadas (tanto que ela não foi continuada por outro desenhista após a morte de Herriman, um caso raro na indústria das HQ);
• 1912 – Nos EUA, outra célebre disputa judicial envolvendo HQ: Dirks muda-se para o World de Pullitzer, e leva consigo os Katzenjammer Kids. A nova disputa judicial que se segue entre Hearst e Pullitzer termina com a série publicada nos dois jornais ao mesmo tempo – no entanto, Dirks teve de mudar o nome dos personagens publicados no World (a série passou a se chamar The Captain and the kids), enquanto que no Journal o nome Katzenjammer Kids é mantido, mas desenhado por Harold Knerr. Como resultado adicional desse processo, Hearst, nesse mesmo ano, funda o International News Service (que, em 1914, muda o nome para King Features Syndicate), a primeira (e maior) corporação e distribuidora de HQ do mundo;
• 1913 – Nos EUA, Bringing up Father (Pafúncio e Marocas), de George McManus, precursora das family strips;
• 1917 – Na Espanha, surge a revista TBO, publicação de HQ que, de tão influente, gerou o termo tebeos para denominar as HQ publicadas naquele país (além do termo historieta);• 1919 – Nos EUA, Gasoline Alley, de Frank King, a primeira a mostrar personagens que crescem e envelhecem; Barney Google, de Billy de Beck (posteriormente, um personagem surgido nessa tira, Snuffy Smith, “rouba” o papel principal, o que podemos considerar como um dos primeiros casos de spin-off [série surgida de outra] nas HQ); Elzie Segar inicia a série Thimble Theatre;
• 1920 – Nos EUA, Winnie Winkle, de Martin Branner, uma das primeiras girls strips;
• 1923 – Nos EUA, O Gato Félix, célebre personagem dos desenhos animados criado pelo australiano Pat Sullivan, chega às HQ; • 1924 – Nos EUA, Little Orphan Annie (Aninha, a pequena órfã), de Harold Gray, considerada a obra que introduz a ideologia política (no caso, de extrema direita) nas HQ; Roy Crane cria Wash Tubbs (Tubinho), série humorística que, mais tarde, se desdobra para a aventura (sendo considerada a série precursora do gênero), e gera outro spin-off, o Captain Easy (Capitão César);
• 1928 – Nos EUA, o Mickey Mouse, de Walt Disney, estréia nos desenhos animados. O personagem chega às HQ em 1930, e inicia o “império” do artista, que, além dos desenhos animados e HQ, inclui parques de diversões, cinema e merchandising;
Na Argentina, surge a revista El Tony, a primeira integralmente dedicada a publicar HQ (por lá conhecidos como historietas) daquele país, iniciativa de Ramón e Claudio Columba.

Para encerrar, trago para vocês hoje um triplex de Letícia, minha kids strip que há muito tempo não aparecia no Estúdio Rafelipe.
Mais peripécias de Letícia e seu gatinho.
E continuem acompanhando a série desde o início no blog dela: http://leticiaquadrinhos.blogspot.com/.
Na próxima postagem: a segunda parte da nova edição da História das HQ, trazendo a vocês os anos 30 e 40.
Até mais!

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